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Imagina que sou Tua.

Da obsessão desconexa.


Eu armo cena. Eu armo cena, baby. Primeiro, eu procuro saber dos teus caminhos. E sei. Descubro todos os teus passos e te persigo numa pose fantasmagórica. Faço cara de recém-saída do manicômio e você debocha de mim. Pobre de você, que nem sabe que a loucura maior é te amar assim, desvairadamente. Me deixa te amar? Te amar, sim. Te amar sem receitas. Te amar sem.

E você não olha pra mim. Por que você não olha pra mim? E se eu pintar minha boca num vermelho sangue? Se eu te sussurrar sacanagens ao pé do ouvido, mordiscar teus lábios, rir um riso de terceiras intenções? Se eu subir no salto, naquele vestido vinho que desenha minhas curvas com um decote que deixa minhas costas inteiras de fora? Se eu prender meus cabelos no alto e deixar teus dedos passearem em minha nuca para depois se perderem no meu corpo inteiro? Se eu elogiar teu perfume barato que me faz espirrar? E se eu montar um espetáculo? Se eu cantar embaixo da ponte? Será que assim você me olha? Me olha.

Eu quebro a garrafa na mesa do bar. Eu bebo e saio despencando com o copo na mão, catando os versos que você destrói enquanto some por aí. Ando no meio do trânsito caótico da avenida mais movimentada. Eu colo declarações em todas as paredes, salto de pára-quedas, tiro onda de romântica, morro de chorar, borro minha maquiagem, beijo outros caras na tua frente, fumo dez cigarros ao mesmo tempo, grito até ficar rouca, canto as músicas mais bregas. Deito nua, na cama, esperando você - cobertor que não vem.

Eu vomito. Quebro o espelho, tomo uma ducha gelada enquanto neva lá fora. Vou pra boate, danço com você, me encho de esperança, vou ao banheiro, retorno. Você tá com outra. Vadia! E você nem me olha mais. Me maltrata a visão. Eu saio de mesa em mesa fazendo pose de fácil. Jogo duro com você e me entrego a qualquer um. Saio de lá acompanhada, gingando, sorrindo. Por dentro, em pedaços. Boto fogo no apartamento. E se ao menos você me olhasse.

No fim de semana eu apareço na tua porta. Eu jogo pedras na tua janela, perturbo a vizinhança, falo coisas sem plano nenhum, berro crueldades. Você me toma por desatinada. Eu sorrio sem aflição. Tua cara, na porta. Eu fico em chamas. Fico querendo descolar alguém pra dormir, que o céu tá cinza há muitos dias. E do teu olhar eu nem sei. Pura hipocrisia.

Porra-louca que sou, queria mais era você me sufocando. Te contaminar com minha lucidez demente. E faço chantagens, uso os piores truques, furo o pneu do teu carro, te ofereço carona (em mim). Te ensino a me amar, você reprova. Me devora sem saber degustar. Repete o prato, me mastiga, e eu só queria que você me engolisse de uma vez. Pousasse teus olhos em mim.

Me azeda, baby. Me adoça. Viro fogueira, se você se dispuser a me acender. Te deixo domesticar meu jeito selvagem se teus olhos mansos passarem a ser meus. E só meus. Eu acordo querendo encrenca. Invento golpes perversos, digo que você é meu cúmplice. Te beijo a boca até você abrir todas as portas. Te destravo. Você se vicia em mim e passa a perambular por aí, pirado. Vive um viver destrambelhado, feliz pelo meu amar incontrolável.

Viro guitarra de você e me entrego a cada dedilhar. Danço em teu corpo inteiro feito bailarina. Você gosta dos meus olhos, eu despetalo as rosas. Você xinga a exatidão da vida, me escreve bobagens num papel. Eu danço pra você na mesa do nosso jantar, te faço discursos longos sobre as coisas que despencam do céu sem porquê algum. Você me olha de baixo e me puxa, me aperta. Chove lá fora. Te empurro na piscina, a gente se cola. Os pingos cantam velhas frases decoradas.

Eu volto pra sala e deito no chão, molhando a casa inteira. Vejo os insetos em volta da lâmpada, Bob Dylan no som. Você reclama dos meus gostos. Me olha, guloso. Me olha sem piscar. Me olha. Teus olhos, meus olhos, o tapete. Você afasta meus cabelos que deslizam sobre o rosto e te tenho ao alcance da minha boca. Minha língua querendo provar do teu gosto. Você me pede suor, eu desenho em você dois seios, um ventre, as pernas. Poesia arranhada nas tuas costas pelas minhas unhas em carmim. E nos teus braços, me esqueço. O silêncio canta. O tempo é nenhum.

Dia seguinte, manhã. Eu tomo a coca-cola, você me pede em casamento. Desfaz a ordem da música de Caetano. Você não entende nada. O bom não é mais. Eu cato minhas roupas espalhadas pelo quarto e resolvo que Paris é a solução. Porque talvez essa minha busca pelos teus olhos fosse pura vontade de sexo. E agora, nem me fita assim. Ou transa, ou bate a porta na saída. Deixa a chave na mesinha.

[Em novembro de 2008].

Comentários

  1. aii.
    Mas não fui quem matou Dulce, hã?

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  2. Jaya, que ideia foi essa que te dei??

    Meldells, criei um monstro!!
    =S

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  3. me chama de trem besta não, sô.

    no máximo uma bicicletinha risonha;

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  4. não acha feio iludir esse pobre que vos fala? onde te acho criatura.. haha, não, não, deixo você assim.. reflexo das palavras, na minha imaginação.. aceito o convite, vamos. eu vou.

    ps: não achei nada dulce esse texto.embora saiba que ela também tem suas fraquezas, não me agrada vê-la assim, suplicante.. (dois lados de uma mesma moeda? talvez..)

    ps²: leio com gosto isso daqui.. :*

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  5. Eu lembro deste texto!!!
    Foi um dos mais "ousados" seu.

    E também acho ele todo Dulce...rs

    Adoro estas tuas construções de querer forte e confuso, Jaya!

    Beijooooo!

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  6. Eu fico pensando... Se eu falar de sexo, falar de mulher que se mostra sem pudores, falar de vermelho e bebidas, eu vou sempre estar falando de Dulce, nessa vida?

    Deixa ela ir, caras!

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  7. Eu lembro desse aqui sim senhoraa!

    Adoreeeei quando li pela 1ª vez. Porque foi 1ª vez que vi você ousar tanto, e ficou tudibaum como tudo que você escreve, né Jayazinha!

    E contar que Dulce nem existia ainda, gentem! hehehe.

    Esse texto aí é de matar. A gente constrói as cenas. Imagina o Moreno. Imagina ela tentando se mostrar de todo jeito e Moreno nada de perceber. E quando percebe: perde a graça! hahaha! Adoooro!

    Esse trecho, eu cato pra mim: "Te deixo domesticar meu jeito selvagem, se teus olhos mansos passarem a ser meus. E só meus!".

    êêêêêê! ;)

    Beeeeeeeejo, lindezaaaa!

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  8. Espera só um poquinho que ainda estou a procurar palavras...

    Sabe quem é essa louca obsessiva aí? Eu! Essa mesma obcessão desconexa, essas cenas para chamar a atenção e depois... Nada. Enjoei.

    Texto magnífico! Lindo, lindo!

    Ah, é sim. Meus monólogos são explosivos vez em quando. São retratos dos meus acessos de loucura mesmo... Na próxima vez, vou tentar algo novo, algo menos intenso, talvez.

    Beijo, frôrzinha.

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  9. Ahhhhhhhh, saudade de tu, flor!
    E tanta coisa já aconteceu...mais ou menos assim, como no teu texto...rs!
    E texto de Ziggy, hein?
    Motivo azul é sempre comigo, com a gente. Não tem jeito.
    Msn, ur-gen-te!
    Beijo, linda!

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  10. Sempre tenho esses momentos descritos. Mas duas horas depois eles esvaem, junto com a ducha gelada.

    (Adoro inverter a música do Caetano =])

    Beijos

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  11. Quanto desespero. Quanta vontade para no fim nem ter mais graça. Porque as coisas são assim né?
    Adorei o texto.


    Beijos
    =***

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  12. "Até as mais delicadas flores reservam para si alguns espinhos."

    lembrei de Maria e pensei... Essa Jaynha sabe ser espinho!

    _________________
    Ps 1: Do sotaque, é que sou baiano. Não nascido na bahia, mas por osmose da minha família. Sou de Brasília, estética, reta, planejada (e no fim sou um pouco), mas nada como os improvisos, as batucadas, a pimenta e o deboche baiano! Por isso que digo quando me perguntam "Sou baiano, nascido em Brasília".

    Ps 2: Se é minha (ouça aí galera), ninguém tasca!!

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  13. eu tenho um moreno, e tenho esse amor louco por ele. e ele nem me olha...

    ah.. vc me desenhou em palavras aqui, e toda a minha vontade dele.

    amei!

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  14. uau, adorei!

    identificação total, rs*

    o final, arrebatador, kkk

    beijocas

    MM.

    >>> aliás, meu texto postado tem um perfume similar a este, kkk, passe lá

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  15. WOW!

    Baby, tô sem ar do lado de cá...
    Se isso foi resultado de um conselho pra vc ousar mais, abençoada seja esse bom anjo caído que te deu a sugestão. Eu sou muito suspeito... Divido com Caio F. a idéia de que poesia é lugar pra dizer o indizível, o inconfessável. Quanto mais embaraçoso, melhor. Quanto mais se expor,quanto mais sangrar, quanto mais doer, quanto mais ousar, perder o sentido, quanto mais ser louco, tanto melhor.

    Ao som de "Obsessions" do Suede, ficaria perfeito.

    Aqui, vc revelou-se uma poetisa de potencial mais do que em qualquer outro texto seu que eu já tenha lido( e olha que eu gosto dos seus textos...)

    Quero mais!
    Agora vou ficar cobrando

    Parabéns pela qualidade literária do texto

    Bjo

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  16. caraaa que texto louco!
    me vi total.total,mesmo.talvez sem tantos "apelos" o certo é que vago por ai nas tuas letras....

    "Fico querendo descolar alguém pra dormir. Que o céu tá cinza há muitos dias. E do teu olhar, eu nem sei. Pura hipocrisia."

    ai Jaya.você é pura poesia, e me fascina tanto.

    Quanto à mim.Ah eu volto.como sempre
    :)

    Flores.

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  17. Jaya!!!
    voltou com tudo, hein?
    a Dulce baixou em vc, querida? hahaha

    menina... eu tbm odeio sumir. mas não foi por querer, depois te conto.
    E depois eu posto lá.
    Tô meio sem coisa boa pra falar, melhor ficar caladinha.

    Adoreeeei esse texto.
    E tenho certeza: é a Dulce!

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  18. Que intenso e forte! Amei. Lindo, maravilhoso.

    Sempre fui direta assim. Ou é tudo ou é nada.

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  19. Jaya, linda!

    Você faz com que eu queira ler tudo num fôlego só, tamanha é a intensidade dos teus versos. É desenhando a cena na cabeça, já esperando a seguinte.
    Vc faz isso maravilhosamente bem, flor. Vi o moreno, vi ela - que não era Dulce ainda!

    Linda, ousada e intensa vc foi aqui. E ainda deixou nas entrelinhas o doce que só vc sabe fazer.

    E o final? Adorei!!!

    Um beeeeeijo grande em vc! E dizer que a recíproca é verdadeira: Amo te ver por lá.

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  20. Sim, sou eu a moça da foto do violão. E é, suponho que um dia nos perdemos.

    Você diz que o amor não existe. Mas me diga, o que é que, neste mundo, existe? :)

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  21. Jaya,Jaya,jóia,de jade...

    me parece que tu conseguiu por em letras os compassos mais ousados do Miles Davis. Me parece o contra-baixo acústico do Charles Mingus.

    Poderia, não sei se devo, arrolar infinitamente nomes de músicos de jazz, pois me senti dentro de um ao te ler (ter?!), assim tão lancinante, hoje.

    Meus neurônios perderam fôlego e minhas vírgulas não caberiam.

    A moça-fractal, hoje, enquanto a lia, foi trompete de jazz...

    Abraços fortes, do lado de cá.

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