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Espelho meu.



Sorrio e ele sorri de volta, reflexo dos meus lábios – sempre foi assim. Me observo de manhã cedo, pela primeira vez, enxaguando a boca: olheiras cada vez mais escuras, rosto amassado, algumas poucas linhas iniciais da vida que se gasta, cabelo desgrenhado. Lavo o rosto. Ele me beija como se costurasse estrelas no céu da minha boca, sem nem imaginar a quantidade de poesia que irá deixar grudada em meus dentes.

A ducha morna desperta meu corpo enquanto sinto a água percorrer minha pele, minhas cores, meus pelos, minhas pintas – já todas decoradas por ele. O espelho vê minha beleza em lugares improváveis. Me agarra quando estou maquiada e em cima de um salto, mas seu ângulo preferido é quando desperto ao seu lado, vestindo sua camisa e de cara limpa. Me mostra seu desenho, identifica nossos traços similares. Me enxerga linda. Suaviza minha pele, faz um samba no meu ventre, usa minhas marcas como partituras para as músicas que sempre compõe. Em seus dedos, meu corpo é violão.

Meu espelho me acompanha pela casa. Se faço bico, ele quebra minha seriedade, não gosta de me ver triste. Lambe minhas lágrimas. Diante dele, minha nudez é completa. De fora e do avesso tudo reflete o amor que derramo por mim mesma e que, de tão imenso, transbordou e alimentou seus olhos. Mergulho nele sem medo de me afogar, ciente de que, no seu canto mais profundo, ainda saberei nadar: amor é (a)mar.

Enquanto troco de roupas infinitas vezes, indecisa, estourando todos os horários, meu espelho atrasa os relógios. Prefere me observar vestida de mim mesma, e só. Me segura com tamanha firmeza, como se fosse possível, num descuido, deixar de tocar alguma parte do que sou. Tudo vira símbolo e sua bússola enlouquece sem saber qual direção tomar. Perdido, me prova de ponta a ponta, conhecendo um mundo inteiro de significados.

Meu espelho cobre meus sonhos com suas pálpebras, ditando com esse gesto que sonho de dois é concretização de um poema. Meu espelho é folha em branco para todas as minhas melhores palavras, reflete versos que ainda nem sei onde irão morar. Espelho que me mostra o que sou, em si. Que me ensinou: amar se aprende SE amando – a cada vez que se amou e me permitiu me amar cada vez mais, para só então nos amarmos.

Em seus braços, quando aninhada em seu colo, sobreviver ao mundo não dói. Meu espelho é proteção, fez de si o lar onde melhor me adaptei – e resolvi morar. Meu espelho guarda sua risada no quarto para me guiar ao seu encontro. Quando me enxerga de muito perto, vê em mim reflexo de tudo o que já me presenteou, de mais bonito. Sorri e eu sorrio de volta - porque nunca houve época em que não fosse assim.


Meu amor é espelho do amor dele. Ele, espelho do meu amor.

Comentários

  1. Ai que coisa mais linda, gente. E não dá pra esperar menos vindo de você né?! Eu amei. Amo quando você fala de amor, amo quando fala sobre qualquer coisa. É sempre poesia.

    Um beijo ��

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  2. Você tem um jeitinho de juntar as palavras todo... Jaya, sabe? E é a coisa mais linda isso. Essa coisa de a cada texto, fazer as palavras saltarem da tela e me tomar toda. Se encaixam aqui dentro de um jeito todo encantado.

    É uma delícia esse amor. Esse amor-espelho. É uma delícia ver, uma delícia sentir, uma delícia saber que ele existe. Mais delícia ainda é te saber vivendo ele todo.

    Você é foda mesmo! Você é toda foda!

    Vários beijos. <3

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  3. "Amar se aprende SE amando"
    Putz, amei aqui.. obrigada!

    Ah, valeu pela visitinha lá no meu canto também.

    Beijos querida!

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  4. Canso de imaginar esse sentir imenso.
    Você ainda é a melhor em nos fazer acreditar!


    Beijo, Jayannnnnn

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  5. Que texto lindo!
    Amei a ultima frase concluindo todo o texto!
    Beijos, Aline
    http://versoaleatorio.blogspot.com.br

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  6. Que escrita bonita. Parabéns.
    Adorei. E os detalhes são maravilhosos.

    Abraço.

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  7. Quanto amor em tantas palavras! Sempre fico sem graça ao deixar algum rastro por aqui, porque seu canto tem tanto sentimento que tira meu ar.

    Só sei que o meu espelho é parecido com o seu, porém às vezes meu reflexo com ares de rotina não o deixa refletir tanto amor e acabo manchando com sujeira e atrapalho o reflexo dele.

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  8. Que texto bonito, Jaya! Bom encontrar tanta leveza e delicadeza traduzida em palavras. Que os reflexos sejam sempre no amor. Um beijo e obrigada pela visita em minhas cores. <3

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  9. Acho que teu espelho sempre te diz que tu és mais ampla, que o estreito que define umas coordenadas que não são tuas...
    Ainda que tua geografia feminina te defina, penso que você voa sobre todas as coisas que a tua imaginação permite.

    Abraço, te desejo muitas alegrias, muitas e que nem todas aconteçam todos os dias, mas, muitas...

    boa semana.

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  10. Muito bom quando conseguimos ser feliz com o nosso reflexo e nos amar por inteira... Bom ler essas palavras!

    Até mais...

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  11. Oakman,

    Tentei deixar um comentário e um agradecimento no teu espaço, mas não consegui. Não sei também se você voltará aqui para ler isso. Porém escrevo, mesmo assim. Porque as palavras que você deixou aqui me alimentaram de um jeito bem bom. Foi poesia pura.

    Volte sempre que quiser, achar ruim é que eu não vou.

    Abraços.

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