Quarentena
Quando alguém fica doente, Maria, e antes de ser curado a doença se espalha de um jeito muito rápido para outra pessoa, e mais outra, e depois mais outra, sem que algum remédio consiga controlar esse contágio e disseminação, a gente chama de pandemia. Geralmente é muito perigoso, por isso o mais indicado é que tomemos os cuidados necessários antes que tudo possa piorar ainda mais. É por isso, Maria, que temos ficado em casa há tanto tempo.
Não é todo mundo que entende,
meu bem, os riscos pelos quais passaremos se desobedecermos às
recomendações das pessoas que estudam dia e noite sobre esse vírus. Vírus? São
coisinhas pequeninas e muito infecciosas que a gente não consegue enxergar sem
o equipamento necessário. O corona é assim, um vírus, mas que apesar de
miudinho causa estragos imensos. As pessoas que estudam esses vírus,
Mariazinha, são os cientistas. E por isso, quando a gente procura se informar
sobre remédios e maneiras de ficar bem, é nas palavras deles que devemos
confiar. Muita gente vai falar sobre muitas coisas e desobedecer o que eles
ensinam, mas a gente não. Porque a gente quer ver o mundo girando bonito
sempre, e pra isso saúde é muito importante, não é mesmo?
Estamos em casa há seis meses,
Maria. E vamos continuar até ser seguro de verdade respirarmos juntos a outras
pessoas. Por isso os carinhos de vó e vô tem vindo pela tela do celular. Por
isso a professora tem dado aulas para vocês ali, dentro do computador. Por isso
você ainda não pode ir brincar no parque e encontrar os amigos. Por isso quando
a gente sai de casa, a gente fica dentro do carro e usa máscaras, mesmo quando
é pra descer rapidinho ali na farmácia. Quando a gente volta, a gente limpa o
sapato e coloca as roupas pra lavar porque assim o danado do vírus não tem
nenhuma chance de ficar aqui dentro, tentando deixar a gente com medo. Isso
tudo porquê não queremos ficar doentes e nem ver quem a amamos adoecer também.
Mesmo que estejamos saudáveis,
menininha, não podemos sair. O nome disso é quarentena. É quando é preciso
ficar em casa e entender que se formos pra rua, podemos pegar o vírus (já que a
gente não enxerga, lembra?) e passarmos para outras pessoas que também estão
sadias. Já pensou que sensação ruim, Maria, sermos responsáveis por levar
alguém ao hospital? Eu ia ficar muito triste. Sim, eu sei que você também. É
verdade, Mariazinha, tem muita gente saindo, a praia estava lotada, os
restaurantes e bares também, a TV acabou de mostrar. A pandemia não acabou,
Maria. Lembra dos cientistas? Eles estão trabalhando direto tentando encontrar
uma vacina. Enquanto isso, tudo o que eles pedem é que a gente fique em casa.
As pessoas estão saindo, menininha, porquê estão um pouco cansadas e não se
importam tanto assim com as outras. Talvez elas não tenham entendido direito o
que está acontecendo. Isso, pode ser também que elas não tenham estudado o
suficiente ou sempre desobedeceram os pais.
O presidente também está
desobedecendo, Maria, sim. Mas nós não escolhemos ele naquela época de
eleições, lembra? Porque já esperávamos que ele agisse assim. Não, meu bem,
infelizmente ele não está ajudando ninguém. O desamparo é intenso, em todos as
configurações. O Brasil anda muito desanimado desde que ele apareceu. Ele não
usa máscara mesmo não, pequena. Mas ele não é cientista e nem aprendeu na
escola sobre como ser uma pessoa cuidadosa. Uma pena, Mariazinha. Não, não dá
pra levar o Brasil ao hospital, mas se desse, também acho que ia ter um montão
de gente pra cuidar dele. Você ia poder ir, claro que sim. Apesar de tudo,
Maria, para cada gesto que machuca, sempre tem alguém pra dar um
beijinho e fazer um curativo. A vacina é como se fosse esse curativo, isso
mesmo. Mas enquanto ela não existe, a gente toma esse tantão de cuidado. Já
pensou se ferir e não ter como tratar? Ia ficar doendo um tempão.
Muita gente morreu por causa
desse corona vírus, Maria, igual o vô daquela vez, foi. Dói o coração, eu
lembro muito bem de nós duas dormindo juntinhas depois de falarmos que ele
poderia ir em paz porque lá seria também muito bom. Mas a saudade dá mesmo um
trem esquisito dentro da gente, né? Ainda bem que podemos chorar quando der
vontade. E sorrir com um monte de lembrança bonita que só. Esse outro lado
ninguém conhece, Mariazinha, mas esse tanto de gente teve que ir pra lá esse
ano. Cada uma por um motivo, mas todas por causa do corona. Claro, pode sim
fazer uma oração. Vamos acreditar, Mariazinha, que Deus vai seguir confortando
todas as famílias que ficaram por aí. A primavera tá chegando e os primeiros
ipês começam a brotar essas flores coloridas que não se aguentam e formam
também um tapete cheio de poesia no chão. Se ao menos a gente pudesse entregar
um pouco desse chão para aparar as dores de quem não consegue encontrá-lo...
Combinado então, certo? Vou deixar você guardar um pôr do sol nos olhos e entregar a dona Ana pelo portão. Não dá pra ver o sorriso com a máscara, mas ultimamente tem sido assim: o mundo inteiro nas retinas e o coração nas mãos.
4 comentários
Jaya...Tudo tão profundo.Belo! Se cuida muito.
ResponderExcluirÔ, meu bem! Se cuida igual.
ExcluirUm beijo.
Ai... É uma mistura de doçura com aperto no peito. As pessoas estão desaprendendo muito depressa. Que bom que a Maria é sábia.
ResponderExcluirVai ficar tudo bem, Maria. A gente vai se fortalecendo como pode.
Apesar de triste, é de tamanha delicadeza, fluidez, cuidado! Você escreve com amor. Se eu tivesse alguma criança próxima, com certeza leria para ela.
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