Enquanto for um berço meu
Enquanto for um terço meu
Serás vida, bem vinda
Serás viva, bem viva
Em mim...[Realejo - Fernando Anitelli/ Danilo Souza]
Enquanto for um terço meu
Serás vida, bem vinda
Serás viva, bem viva
Em mim...[Realejo - Fernando Anitelli/ Danilo Souza]
Você já se encontrou com alguma prostituta francesa? Provavelmente acariciou as mãos de alguma delas. É, nem adianta me olhar com essa cara. Sempre acho engraçadas tuas comparações. Minhas unhas vermelhas te contrariam talvez por serem o retrato um tanto voraz do amor-carmim que sonho encarnar. Já pensou sentimento incolor? Tão melhor brincar de desatar arco-íris, não? Tá, é bem verdade que não costumo sair do meu tom de temperos leves. Foi assim que nossas mãos conversaram pela primeira vez, em uníssono. Caminhamos pelas linhas nelas desenhadas e ouvimos o coração bater em suas palmas. Ah, me deixa enfeitar os aconteceres! Faço isso justamente pela delícia de esperar tua reação. Ninguém mais me veste tão bem quanto você, nesse jeito de rasgar os lábios enquanto emenda bobeiras desconexas. Inevitável te bordar enquanto você ri do meu sorriso.
Tem sol nascendo nos teus olhos, e é em mim que ele se põe. Não me importo em ser céu de você, não. O que tem minha blusa? Você lembra? Na festa dos meus dezoito anos, a gente nem namorava ainda. Tinha aquelas de toques casuais pra acostumar uma pele na outra. E depois, um beijo. O primeiro. Um doce que encantava pelo desconcerto em meio às incertezas de bocas que se visitam pela primeira vez. A blusa, de presente. Tomei ela como sendo um roçagar de você em mim, nem ligando para estilos. Queria ver se você percebia. Homens nunca dão muita atenção a essas coisas, mesmo. Ei, não puxa meus cachos! Não, meus cabelos não são molas. Tenho ganas de te beliscar quando você faz isso. Tá, é verdade, gosto do jeito como você me desmonta, assim. Teu abraço é puro descaminho.
Usei a blusa no show dos Tribalistas? Não era do Teatro Mágico? Ah, não sei. Lembro do caminho de volta. Da cidade-cenário para o que parecia uma cena clichê, ao nosso redor. Chuviscou naquela noite. As pessoas fugiam das gotas enquanto a gente fazia germinar dentro em nós a semente daquela primavera que não se vê nascer. Foi nessa hora que perdi as chaves de casa, acho. Nem acredito que meus pais não notaram minha ausência naquela noite. Um conto bonito foi ficar trancada do lado de fora, com você, na varanda, enquanto o vento trazia festa madrugada adentro. Nessa noite, te contei que estava grávida. Lembro da tua cara de espanto e da gargalhada alta. Ai de você, se meus pais tivessem acordado! E eu nem falava de sexo. Aconteceu-me de ficar recheada de um lirismo convexo. Internamente, seu bobo! Ah, tenta entender. Eu possuía uma gravidade ao mesmo tempo em que vivia a falta dela. Esperança-sonho-poesia-você, fecundando-se em. Entende, agora? Você então me beijou com avidez. Um beijo que me implodiu aos poucos, enquanto perscrutava coisas de mim e entregava resquícios de você. Dormimos ali. Acordei guardada nos teus braços, quando meu pai abriu a porta, pela manhã, inaugurando uma palestra-sermão. Anunciamos ternura, com nossos olhos de olhar estrelas.
E você ainda cisma com o vermelho das minhas unhas! Cor do que é intenso, menino. Sempre-vivo. Lâmpada de uma constelação inteira. Cor de mim, hoje. Sorrindo teu olhar. E grávida de um sentimento impressentido, como uma nova primavera. Coisa mais linda, para ser história de futuro. Um fruto. Um furto. Você, pra mim.