Continuo a mesma. Continuo no mesmo endereço de um ano atrás. Continuo com a mesma árvore de folhas sempre verdes na calçada. O mesmo muro de pedras que resolvem brilhar à noite refletindo a luz da lua. Continuo na mesma casa de tons pastéis. Continuo com a mesma janela que dorme aberta e os mesmos incensos acesos em noites onde são necessários. Continuo com o mesmo nome, o mesmo sobrenome, RG, CPF, só transferi o título. Continuo com o mesmo celular. Continuo com o mesmo jeito direto que assusta algumas pessoas. Continuo a mesma boba que sorri de nada. Que faz bico quando chora. Continuo com o mesmo jeito tímido. Continuo com a mesma cautela. Continuo com um exagero abusado e um drama para achar graça. Continuo falando bobagens. Continuo acreditando nos amores. Continuo quebrando a cara. Continuo brincando de ser feliz. Continuo eternizando letras. Continuo a ver São Jorge na lua cheia. Continuo com minhas insônias. Continuo com minhas defesas, medos, desesperos. Continuo vivendo muito para dentro. Continuo sem paciência para o social. Continuo com umas ondas de velhinha. Vez ou outra dou uma de João Gilberto. Continuo crítica, principalmente comigo mesma. Continuo azeda, mas muito doce quando doce. Continuo do contra e adoro discordar para pirraçar. Continuo tomando dramin para viajar e viro a pessoa mais imbecil do mundo sob o efeito dessa droga. Continuo a fazer aquela vozinha cuticuti quando converso (?) com bebês. Continuo séria. Continuo sorriso. Continuo a tomar o microfone só para mim quando tem um videokê por perto. Continuo com o joelho esquerdo me perturbando. Continuo a fazer telefonemas de carinho ali no quintal, olhando para o céu. Continuo viciada em pão de queijo e a achar Friends o melhor seriado. Continuo a reclamar do calor. E se faz frio, reclamo do frio. Continuo a preferir o inverno. Continuo fã de sorvetes. Continuo a soprar cílios. Continuo a me apaixonar todos os dias. Continuo a sofrer para pisar no chão e deixar a fantasia de lado. Continuo descaradamente pisciana. Continuo com umas coragens insanas. Continuo a irmã mais velha de Éden, Daniel, Sofia, Clara, Pedro, Rebeca e Amanda. Continuo a perder a conta quando me perguntam quantos irmãos tenho. Continuo sendo várias, depende de quem me chama. Continuo a soletrar meu nome em todo canto. Continuo a saber que é meu nome que será chamado quando aparece uma trava na boca das pessoas que leem o papel. Continuo louca por abraços. Continuam a cantar a música de Chico César para mim, quando me conhecem. Continuo a sorrir dizendo que não tem nada a ver. Continuo a fingir que não tenho medo de avião. Continuo a fazer poesia dentro do ônibus. Continuo a me preocupar com as revoltas naturais do mundo. Continuo filiada ao Greenpeace e também à WWF, por não encontrar maneiras mais ativas de ser solidária nesse ponto. E continuo não gostando de animais. Continuo travada nos euteamos. Continuo com o mesmo perfume. Continuo na academia. Continuo a trocar baladas por cinema. Continuo a ter nojinho de piscina. Continuo a enxergar em Minas Gerais um lugar que é abraço. Continuo louca pela minha Bahia. Continuo a cobrir meu corpo inteiro quando durmo à noite após um filme de terror. Continuo a achar mesmo que o cobertor me protege, nessas situações. Continuo obviamente besta. E chata. Continuo observadora demais. Continuo calada quando muita gente fala ao mesmo tempo. Continuo a criar histórias para pessoas desconhecidas enquanto sento num banco qualquer pelas praças. Continuo essencialmente MPB e bossa. Continuo sempre com um trident de canela na bolsa. Continuo a demorar para responder e-mails. Continuo a escrever cartas. Continuo a achar estranho unhas dos pés pintadas de vermelho. Continuo a tomar banho de chinelo. Continuo a escovar os dentes com a mão esquerda na cintura. Continuo com a letra pequenininha. Continuo a procurar erros de português em todos os cantos. Continuo a me sentir nua sem brincos. Continuo sarcástica. Continuo ótima ouvinte. Continuo sensível demais. Continuo insensível demais. Continuo a dizer que De onde vem a Calma é a fotografia do meu lado de dentro. Continuo achando quarta-feira o melhor dia da semana. Continuo acumulando leituras indicadas. Continuo a achar que chuva forte é aplauso. Continuo com inveja das pessoas que gostam de café e amendoim. Continuo a me encantar com ternurinhas. Continuo a ter gastura de pessoas cantando inglês errado. Continuo a ganhar o dia quando me dizem que andei engordando. Continuo a ter medo de panela de pressão. Continuo sem beber refrigerantes, sem orkut, formspring, twitter, facebook. Continuo sem cachos. Continuo a não usar batom. Continuo a achar Para uma menina com uma Flor um dos textos mais lindos do mundo. Continuo preferindo a calça jeans. Continuo a ver duplo sentido em quase tudo. Continuo a achar melancia uma fruta alegre, porque cada talhada é um sorriso. Continuo achando que preciso usar óculos. Continuo com preconceito musical. Continuo com preguiça de gente. Continuo com saudades imensas de Roraima, daquele monte de verde e dos amores que lá permanecem. Continuo a babar horrores com a bala 7 belo. Continuo a sorrir quando vejo uma câmera fotográfica. Continuo a não saber dar parabéns além do básico: parabéns! Continuo a gostar de acarajé quando o dia tá indo embora. Continuo preferindo coxinha a brigadeiro. Continuo a sentar na grama. Continuo a me tranquilizar quando a chuva cai lá fora. Continuo na minha sozinhez. Continuo a brigar com minha escolha profissional. Continuo a pedi-la em casamento todos os dias. Continuo a achar que catchup, purê de batatas e diamante negro são invenções dignas. Continuo a ficar com a cara amarela quando chupo manga. Continuo a tchutchar o pão no prato de sopa. Continuo a achar que pra caralho é uma expressão que intensifica as coisas pra caralho. Continuo pagã. Continuo a ter que me cobrir da cintura até os joelhos, mesmo que o calor seja imenso, ou então não durmo. Continuo a não ser mulherzinha. Continuo a não ter amigas mulherzinhas. Continuo com as pernas inquietas que dançam debaixo da mesa. Continuo a ter crises de enxaqueca durante implosões. Continuo a tirar o esmalte com os dentes deixando o chão cheio de pontinhos vermelhos, quando ansiosa. Continuo solta. Continuo amante de praias. Continuo a usar close-up verde. Continuo a ficar tonta na rede. Continuo monstra quando acordo e mais ainda quando sinto dor. Continuo achando a acústica do banheiro algo sensacional. Continuo a contar meus mais amigos nos dedos da mão direita. Continuo com doses de melancolia. Continuo a voar para dentro das pessoas quando vejo pedacinhos meus por lá. Continuo a ver um lado escondido quando o espelho me enfrenta. Continuo a chorar de repente, do avesso, florindo. E depois, planto sorrisos. Continuo a me gastar de maneiras lindas. E a contabilizar meus pedaços assim, todo dia dezenove de março. Que eu escolhi para meu. Que me recebeu, com suas águas. Toda essa promessa de vida. E vários corações.
Continuo amor.
Continuo amor.
______________
Inspirado na sequência de Fabrício Carpinejar, em: No Mesmo Lugar.
Para deixar as coisas tão mais lindas,
Inspirado na sequência de Fabrício Carpinejar, em: No Mesmo Lugar.
Para deixar as coisas tão mais lindas,
teve amor despencando