Tudo começa
do mesmo jeito
diferente
[Alice Ruiz]
do mesmo jeito
diferente
[Alice Ruiz]
Às vezes é sem querer. Você chega quando alguém já está. Você sobe as escadas e joga o coração dali, pelo prazer em vê-lo cair. No fundo, a esperança é sentir alguma coisa. Qualquer coisa.
Você não me conhece. Não sabe que escrevi uma carta de seis páginas, ainda ontem, contando os mais miúdos detalhes daquilo que suponho estar acontecendo. Do lado de dentro, do lado de fora. Não tenho conseguido fundir. Não sou uma só. Nunca fui.
Preciso comprar mais livros, conhecer músicas novas, trocar as fotos do mural, ir à praia, amar Ilhéus de perto, colocar uma flor na minha estante. E, quando deito, preciso de você na minha cama, me beijando a testa, segurando minhas mãos. Sei lá. Poesia. E aquela coisa de me esquentar a nuca para que eu ande feliz, em meio aos casais de porcelana que enfeitam a rua. Amor não se toca, é para ser ouvido.
Tenho fases de desespero. Quando é quarta-feira, no meu céu só tem estrelas e eu tropeço buscando o sol. No cinema eu como chocolates, não pipoca. E se você aparecesse eu te tomaria pelas mãos e sairia por aí, asfaltando a cidade inteira com nossas historinhas. Eu penso que eu só preciso saber que você está. Mas não te convido.
Não sei quanto dura. Não sei até quando vou ignorar teus sorrisos que se quebram diante da minha seriedade. Não sei até quando teus olhos tristes vão permanecer em cima dos meus. Sei menos ainda para onde você vai levar minhas vontades, a cada vez for embora. Mas queria saber se meus braços podem se encaixar aos teus e se nossas pernas preferem o mesmo caminho. É o começar.
Daqui, eu imagino que você tenha uma queda pelo francês. Imagino que abra um conhaque, nessas noites frias, para catar palavras. Da minha boca derramam-se sacanagens que já foram de outros caras. E que provavelmente serão tuas. Antes de tocar o papel, pensei em começar dizendo que aprenderia a tocar piano só para te esperar. Prefiro violão.
Sou daquelas garotas que sofrem. Que esperneiam em busca de um abraço, assim, do tamanho do teu, com um sussurro contido dizendo que está tudo bem. E acreditam no amor. Uma garota que, hoje, quis adivinhar as medidas do que desconhece. Com coragem para ir embora. Com impulsos, cabelos curtos, unhas pretas e possibilidades. Você só precisa me fazer rir. Ou estampar qualquer coisa de mim num cantinho escondido teu.
Te documento enquanto você me atualiza. Você-novidade. Tiro o salto quase nunca usado, me molho na chuva, a bebida queima, te procuro na esquina. Levei todos esses parágrafos para contar do que não pode ser lido. Do que ninguém iria entender. Amanhã vejo uma coisa linda na rua, em meio à neblina, e me lembro de você. Anônimo. Basta meus olhos cheios da tua presença, por esses dias.
Paris, cigarros displicentes. Palavras inventadas. Acontece que vai ver eu já esteja entregue. Something vai se arrastando como trilha sonora. E você poderia vir. Me beijar devagarzinho, bagunçar meus cabelos enquanto faz um afago manso, me vestir de você, grudar teu cheiro em minhas mãos, usar algum elogio abusado e escrever ali, naquilo que chamam de alma, toda essa sua eficácia em me amanhecer.
É diferente. Eu sou igual a todo mundo. E sinto. Sintosintosinto.
Você.