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Jaya Magalhães

- Então Charlie Brown, o que é amor pra você?

- Em 1987 meu pai tinha um carro azul.

- Mas o que isso tem a ver com amor?

- Bom, acontece que todos os dias
ele dava carona pra uma moça.
Ele saía do carro, abria a porta pra ela,
quando ela entrava ele fechava a porta,
dava a volta pelo carro
e quando ele ia abrir a porta pra entrar,
ela apertava a tranca. Ela ficava fazendo caretas
e os dois morriam de rir. Acho que isso é amor.

[Peanuts - Charlie Schulz]

Para mim, Maria, o amor é azul e branco. São seus dois tons, e isso não tem nada a ver com arco-íris. A gente pinta é do lado de dentro. É uma coisa danada de tão travessa, essa coisa de amor. E eu não sei, Maria, porque a maçã do amor leva esse nome. O amor não é sempre doce, não. Mas pode ser vermelho, se você quiser.

Amor é um monte de coisa, dona moça. Você vai sentir, se já não sentiu. Os joelhos frouxos, as mãos suando, e todas as partezinhas batucando do lado de dentro. E você vai morrer de medo que alguém escute, Maria. Mesmo quando tudo em você denunciar, você ainda vai deixar cair os olhos, fingir distração, fugir. O amor a gente guarda é nos olhos. Depois ele desaba para todo canto.

Sabe, ninguém nunca conseguiu decifrar essa história. Tem tanta poesia, tantos livros, tantos filmes, tanta música, tanta falação, Maria. Não é de hoje que as pessoas complicam a facilidade. O amor não precisa de nada para ser, senhorinha. Ele é. Independe de. É indiscreto. Pousa e voa quando bem quer. O amor é passarinho, isso. Mas a gente não pode nunca prender, viu? Passarinho bonito é enfeitando o céu. Amor enfeita.

Ah, pequena! Quando você senta na sala e espera o amigo chegar, assim, com esse ventinho no sorriso, isso também é amor. E ele chega tão bonitinho, enchendo teus olhos, te fazendo assobiar. O amor é criança, Mariazinha. O amor é uma tarde de sol e um algodão doce, no parque. É roda gigante. Foliazinha. É tanto. É tanto!

Eu já amei bonito, sim. Já morri de amores, Maria, e você não sabe quanto mais vida isso me trouxe. E tem esse moço, agora. Não, não é amor. Como a gente diferencia? Você só faz pergunta difícil. Senta aqui no meu colo, anda. O amor está dentro de mim. E de você. E dele. Eu acho mesmo é que ele vai saindo aos pouquinhos. Quando a gente vê, já caminhou para dentro da outra pessoa. É um susto, Maria. O amor é um susto! É uma surpresinha, e o embrulho é o coração.

Falar mais sobre o moço? Ah, esse moço, ele faz festa em mim. Quando eu chego, ele está sempre paradinho, na porta. Me enxerga feliz, com uns olhinhos apertados, parecendo me pedir para navegar-lhe. E eu fico pensando, minha doce. Fico pensando que me bastava ele ser um cais, para ancorar meu barquinho. Em época de chuva, Maria, amor é cais, também.

Você gosta de me ouvir falar? Você é sapeca, com essa carinha de flor. Me mostra tuas mãozinhas, Maria. Deixa eu escrever, aqui: AMOR. Agora espia e tenta apagar. Tá vendo? Amor é quando, mesmo tentando, a gente não consegue apagar as letras. Não tem borracha que sirva, sabia? Ô, pequena, não precisa ter medo. Você pode emendar poesia em cima, melodiar. Uma coisa linda que aprendi foi isso: ser formada por amores. A gente fica maior.

Não se assuste, então, Maria, quando um amor for embora. A verdade é que ele sempre fica. Quanto mais a gente entrega, mais a gente tem. Essas coisas, meu bem, a gente divide para multiplicar. Prometo a você. E sobre aquilo de diferenciar, não dê importância. Sinta. Chame do que quiser. Um moço sabido já disse, um dia: muita coisa importante falta nome. Me dá um abraço, dá?

Maria, uma vez pensei que eu fosse derreter num abraço. Você vai saber como é. Não, não foi o desse moço. Ele, ainda hoje, não coube em minhas mãos. Tenho vontade de desabotoá-lo, Maria. Cheirar os sonhos que ele tem, nos olhos. Às vezes fico pensando que eu podia dizer a ele coisas muito boas, assim, baixinho. Mas só sei me fingir de distraída. Eu sou boba, minha Maria. O amor é bobo.

Tá na hora de você dormir. Se eu pudesse eu aumentava essa noite só para que tuas asinhas alçassem voo. Sonha, menininha. Descansa. Você é bichinho que voa, toda purinha, sem nem desconfiar. E é linda assim, não terminada.

Agora, olha, Maria. Acho mesmo é que amor, amor é acostumar.

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Manda avisar que esse daqui
tem muito mais amor pra dar.


[É de lágrima - Marcelo Camelo]

Faz frio. Pés descalços, sentada no chão, incenso de jasmim. Aqui? Jazz. Não encontro escapismos e findo amarrando a fé ao lado da minha cama, levo comigo para todo canto. Juntei meia dúzia de esperanças e quis a presença de qualquer querubim pequenino cheinho de luz.

Meus olhos engavetando a umidade onde algumas dorzinhas navegam em par, meus poemas nunca escritos. É assim que resolvo acordar as palavras. Rituais de encanto, ventinho pela fresta da janela, meus cabelos voando. Deixa doer, bater os queixos, ter motivo. Minhas satisfações não aprenderam a bastar só para mim.

Hoje me telefonaram. A voz suave do outro lado se identificou e disse tá tudo bem? E eu chorei. As portas destravadas, a necessidade de separar as estantes internas. Pu-ri-fi-car. Tudo o que fala sobre leveza e azul deve ter caído lá atrás. Não encontro.

Abri meu recanto de carinhos e reli tantas cartas, tantas procuras, tantos tempos, tantas saudades. Leio tudo. Leio e saio catando com as pontinhas dos dedos qualquer coisa que me reponha. Me perdi, mas não me abandono. É preciso estar dentro de mim. Preciso me empurrar de volta. Tenho tanto medo de ver os dias passando enquanto fico.

Não tenho sido doce. É só que, ultimamente, nada completa. É meu retrato aflito, extenso, cheio de nós. Então eu escrevo. E escrevo tentando ficar mais leve, tentando me reiventar, tentando. Eu tento. Encolho. E tô aqui, sempre sorrindo. Sem compreender. Me envelopo e me distribuo. Foi assim que aprendi a chegar.

Um copo numa mão, uns absurdos na outra. Não chove. É cinza e não chove. Lembro das ruazinhas estreitas que passo e já não vejo toda essa sensibilidade cabendo no mundo. Meu lado de dentro precisa ser remendado. Sonho com coisas tão boas. Desejo tanto bem. Desejo um bem, para mim.

Decidida, sugiro chuva. Um banho de chuva, um grito na chuva, porque depois que cai o céu, o mergulho é na vida. E arco-íris. Ah, e como tenho procurado um arco-íris! Uma recompensa. Uma aquarela. Lápis e papel. Desenho ou palavra. Não levo nada. E vou. Tentando, apesar de um tanto despetalada, dobrar a vida em flor, como diz a música.

A parte bonita do dia foi quando caiu um cílio na minha bochecha. Vejo palavrinhas mansas em cada um. E às vezes é assim, uma pestana foge e desafina tudo. Hoje, caiu um cílio meu. Desafinei. Vi pelo espelho, tirei com delicadeza e soprei. O moço olhou de longe, sorriu. Miúda e de bochechas coradas, retribuí.

Eu sempre sorrio, repito. Não precisa ter nexo. Ir, parar. Falta de ação. Talvez cor. Coração eu tenho. Tenho tanto que quase aceito sê-lo. Vai ver é isso. Que amanhã, depois e sempre, eu seja.

É tanto amor para amar - disse tão bem dito o poeta.

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