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Jaya Magalhães

O verão que a primavera traz.

Pelo muro, enxergo, restam algumas bandeirolas desbotadas. Observo enquanto o vento sopra de leve em meio ao calor da noite. Cores sem euforia, memória da boniteza que viveu nas noites de junho. Escuto sorrisos e sinto cheiros. A primavera chegou e eu, que nunca soube cuidar de flores, aprecio.

Você se anuncia junto aos tambores. Se espalha feito notícia bem contada. Procuro então transformá-lo em novidade, assim, sem horário, enquanto a dona se inclina da janela para sondar como subo tuas escadas sem degrau algum.

Veja, a cidade já começa a ter sentido entre um canto e outro. Existem rabiscos e histórias minhas naquele chão, naquela música, naquela risada. O coração, esse não dá sinal. Brinco com as imagens que meus cílios enlaçam e vou convidando o mundo para um samba. Só entende quem escuta a música.

Eu poderia ser tua hoje, seu moço. Nem precisa colher nada não. As mãos que seguram teus queixos poderiam desenhar minha boca em movimentos precisos enquanto eu saciava minha vontade de escrever em cada cantinho teu. Coisas absurdamente levianas. Coisa nenhuma. Tocar. De-di-lhar. É o que me ocorre enquanto você fecha meus olhos.

Você poderia começar existindo em minha língua, aqui, molhando teus dissabores. Ou então que se mastigue uma história sobre toda aquela coisa que a primavera faz com as cerejeiras, clichês, a cor do meu vestido, a transa de Caetano, teucorponomeucorponoteu. Que se mastigue enquanto o vinho vai desgrudando a alma e lançando carinhos jamais praticados. Ficaria bonito, eu digo.

Na primeira curva, te guiaria para que o vermelho coubesse nos gestos seguintes. É tudo uma desculpa, perceba. Eu, ladeira para você escorregar. Um encontro manso de palavras extraviadas que bordam no escuro um retrato que não se enraíza em tempo nenhum. Eu abro as portas para você, novidade.

Porque quando chove, seu moço, enquanto você mede minha cintura e esse tecido desenha todas as formas, me tinjo de verdadeira avenida. Que meus braços sejam ruas. Que você me atravesse descalço. E quando minha pele esquentar, embrulha todo o restante. É como me sirvo.

Nesse ambiente manso, dou um cheirinho em teu pescoço e sopro um fio do teu perfume para grudar no travesseiro. Te faço um cafuné para adular nem que seja um tiquinho do que há de querer ficar nos instantes posteriores. Você tem jeito de quem esquece sonhos na cama, saiba. Você esquece e eles dançam em meus ombros para depois despencar, exaustos.

Meu jeito zen, um cheiro de incenso nos cabelos, desassossego. Deixa o coração trincado se enfeitar. Sigamos desarmados. Minha voz batendo nessas quatro paredes enquanto você se estica para engolir o que sobra de poesia.

Em um beco, um botequim com bandeirolas e cores desbotadas, há sempre de haver um reencontro. A cidade desenhou. A dona debruçada na janela há de contar: poema no mural, você e eu.

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