instagram Email

Jaya Magalhães

Para ele, o meu brou.

Eu sempre falo dele sorrindo. E deixo repercutir: édenédenéden. Meu irmão. O paraíso avesso. A paciência curta. As sobrancelhas grossas, sempre expressivas. O jeito de monstro quando acorda passeando pela casa coçando a cabeça. A insistência em cantar alto e totalmente sem tom qualquer música que saiba acompanhar. A simpatia. As piadas internas, risadas só nossas. O choro que chega sem pudor nenhum, seja lá qual for a situação. A preferência por massas. As músicas dos hermanos gritadas aos sábados pela manhã, quando estávamos sozinhos em casa. As brigas. A cumplicidade. A forma como se preocupa comigo. Os ciúmes. As lágrimas na rodoviária a cada despedida. Os eu te amo que ele diz e eu guardo nos olhos para que ele enxergue os reflexos diante da minha mudez. A certeza: desde que ele veio eu não fui mais sozinha. Não sou. E vou relembrando cada coisinha bem devagar e com muita ternura.

Até então, nunca havia meditado acerca do evidente: sou mais eu quando sou ele. Consigo ser todas as que me compõem, quando em sua presença. E ele só não me suporta quando sinto dor, o que eu até perdoo, por se tratar de uma das minhas piores versões.

Éden é o primeiro dos irmãos. Foi quem me moldou. Quem me ensinou a dosar as ações, reações, explosões. Mordidas, puxões de cabelos, televisores derrubados e mágoas. Eu nunca mais vou falar com você! Para ouvir um quem disse que eu ligo? E um sorriso no dia seguinte, derrubando as máscaras mais sérias para dar vez ao que sempre é maior. O nós, quando já não tem mais você e eu.

Lealdade, perfeição torta, defeitos. É amor. Amor daqueles costurados no ponto mais bem feito. Mãe quem costurou, a linha nunca se desfaz. É a chance da eterna meninice quando em casa, de histórias, de me ver pequena com ele ainda menor. É daquele amor que se diz o tempo inteiro, em meias-palavras. São vergonhas expostas num final de tarde, entre beliscões e gargalhadas. Palavrões. Um olhar que puxa recordações quando as pálpebras resolvem virar gavetas para o passado de felicidadezinhas.

Com ele eu soube deixar crescer o amor-amor. Soube amar por amar, sem importar se cabia ou não. Foi como aprendi a torcer. A apoiar as ambições e loucuras dele, só para notá-lo em paz. É o orgulho que sinto por sua valentia, por sua sinceridade. Pela maturidade que, ainda que desande às vezes, aparece como conquista. Pelos medos tão meninos que vão adormecendo para que acordem aquelas outras coragens tão necessárias que tanto quero vê-lo sendo possuidor.

Todas essas palavras talvez nunca tenham sido ditas. Sempre julguei desnecessário expor o que meu coração sente tão óbvio. Parece desleal gritar para o mundo esse monte de amor, porque não existe amor assim. E eu me sinto tranquila por não precisar de aviso nenhum para fazê-lo ciente dessa história toda.

Se eu pudesse escolher, diria que é assim mesmo que prefiro. Prefiro telefonar para ele e fazê-lo dizer tchau só para poder dizer: quem ligou fui eu, você não pode desligar. E enrolar toda vida. Prefiro aquela fotografia no jardim, onde ele tem o pé machucado e um rosto que me conta algumas coisas que doem. Prefiro lembrar do Chico Bento em um de seus primeiros bolos de aniversário. Prefiro estar em paz na fazenda enquanto ele fica inquieto e solta fogos na hora de ir embora. Prefiro lembrar dele a cada vez que escuto Um Par. Prefiro ainda as histórias cheias de detalhes que nunca têm um final lógico. Sua risada espalhafatosa. Sua mania de bater boca por nada e qualquer coisa. Seus carinhos únicos, chegando a lembrar um gato implorando uma delicadeza. O dom de me fazer passar vergonha. Nossas caminhadas compridas, cantando. Prefiro mais assim. Menos de qualquer outro jeito. Mais ele, comigo.

A conclusão é a de que tudo é coisa desse amor-tanto. Amor-tonto. Tudo o que guardei e não paro nunca de compor. Para amá-lo agora, mais tarde e o tempo inteiro. Sem tempo. Como a dezenove anos.

Sou por você, brou. Não vou parar de ser antipática com minhas opiniões intrometidas: digo tudo pelo querer-bem, que é imenso. E seja lá o que for, seja lá no que for dar, se essa vida tiver alguma razão, eu faço a porra toda desarrazoar, se ficar melhor para você. Entorto os pontos todos de qualquer direção e cruzo os caminhos mais impossíveis, para te acompanhar.

É tudo pra caralho. Tudo isso. Tudo em nós, esses nós.


Sem você sou pá furada.

[Paquetá - Rodrigo Amarante]


Share
Tweet
Pin
Share
14 comentários
Newer Posts
Older Posts

E-book | Grátis

  • Bem D.I.T.A.S Cartas

E-book | Hotmart

  • Líricas

Jaya Magalhães

Jaya Magalhães
"Em um pulso, o sol; no outro, a lua: as mãos são feitas de céu." [Kerouac, J.]

Caminhos

  • Escreve
  • Social
  • Livrinho
  • Poemei
  • Curtinhas
  • Definindo
  • Plágio

Queridinhos da Semana

  • (nenhum título)
  • Marinheiro Triste
    Marinheiro triste Que voltas para bordo Que pensamentos são Esses que te ocupam? (Marinheiro Triste - Manuel Bandeira) E nela moram in...
  • Sobre estar
    Todo amor pode romper-se. É porcelana. Todas as histórias vividas antes de sermos mostraram a não tão manifesta violência dos sentimentos qu...

Aqui também:

  • Jornalzinho de Miudezas

Páginas

  • ►  2021 (7)
    • ►  Outubro 2021 (2)
    • ►  Setembro 2021 (1)
    • ►  Maio 2021 (1)
    • ►  Março 2021 (2)
    • ►  Fevereiro 2021 (1)
  • ►  2020 (17)
    • ►  Dezembro 2020 (1)
    • ►  Novembro 2020 (6)
    • ►  Outubro 2020 (2)
    • ►  Setembro 2020 (2)
    • ►  Agosto 2020 (2)
    • ►  Junho 2020 (1)
    • ►  Maio 2020 (2)
    • ►  Março 2020 (1)
  • ►  2019 (3)
    • ►  Dezembro 2019 (1)
    • ►  Fevereiro 2019 (1)
    • ►  Janeiro 2019 (1)
  • ►  2018 (7)
    • ►  Dezembro 2018 (1)
    • ►  Setembro 2018 (1)
    • ►  Julho 2018 (1)
    • ►  Maio 2018 (1)
    • ►  Março 2018 (1)
    • ►  Fevereiro 2018 (1)
    • ►  Janeiro 2018 (1)
  • ►  2017 (14)
    • ►  Novembro 2017 (1)
    • ►  Outubro 2017 (1)
    • ►  Agosto 2017 (2)
    • ►  Julho 2017 (2)
    • ►  Maio 2017 (1)
    • ►  Abril 2017 (2)
    • ►  Março 2017 (2)
    • ►  Fevereiro 2017 (2)
    • ►  Janeiro 2017 (1)
  • ►  2016 (6)
    • ►  Dezembro 2016 (1)
    • ►  Outubro 2016 (1)
    • ►  Agosto 2016 (2)
    • ►  Julho 2016 (1)
    • ►  Fevereiro 2016 (1)
  • ►  2015 (1)
    • ►  Novembro 2015 (1)
  • ►  2014 (1)
    • ►  Setembro 2014 (1)
  • ►  2013 (1)
    • ►  Março 2013 (1)
  • ►  2012 (5)
    • ►  Dezembro 2012 (1)
    • ►  Setembro 2012 (1)
    • ►  Agosto 2012 (1)
    • ►  Maio 2012 (1)
    • ►  Fevereiro 2012 (1)
  • ►  2011 (12)
    • ►  Novembro 2011 (1)
    • ►  Outubro 2011 (2)
    • ►  Setembro 2011 (2)
    • ►  Julho 2011 (2)
    • ►  Maio 2011 (1)
    • ►  Abril 2011 (1)
    • ►  Fevereiro 2011 (2)
    • ►  Janeiro 2011 (1)
  • ▼  2010 (21)
    • ►  Dezembro 2010 (1)
    • ►  Novembro 2010 (1)
    • ▼  Outubro 2010 (1)
      • Éden.
    • ►  Setembro 2010 (1)
    • ►  Agosto 2010 (2)
    • ►  Julho 2010 (2)
    • ►  Junho 2010 (2)
    • ►  Maio 2010 (2)
    • ►  Abril 2010 (2)
    • ►  Março 2010 (3)
    • ►  Fevereiro 2010 (2)
    • ►  Janeiro 2010 (2)
  • ►  2009 (29)
    • ►  Dezembro 2009 (3)
    • ►  Outubro 2009 (5)
    • ►  Setembro 2009 (3)
    • ►  Agosto 2009 (3)
    • ►  Julho 2009 (2)
    • ►  Junho 2009 (4)
    • ►  Maio 2009 (2)
    • ►  Abril 2009 (2)
    • ►  Março 2009 (2)
    • ►  Fevereiro 2009 (3)
  • ►  2008 (21)
    • ►  Novembro 2008 (6)
    • ►  Outubro 2008 (2)
    • ►  Setembro 2008 (1)
    • ►  Agosto 2008 (2)
    • ►  Junho 2008 (1)
    • ►  Maio 2008 (4)
    • ►  Abril 2008 (1)
    • ►  Março 2008 (1)
    • ►  Fevereiro 2008 (2)
    • ►  Janeiro 2008 (1)

Jornalzinho de Miudezas

Quer receber nossa newsletter do amô mensalmente no seu e-mail? É de graça, basta assinar. Vem? 🖤

Created with by ThemeXpose | Distributed by Blogger Templates