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Jaya Magalhães

Foi um pequeno momento,
um jeito, uma coisa assim.
[Caetano Veloso - Da maior importância]

Que teria um tom sépia. Um papel desbotado. E encerraria o envelope com a língua. Que eu reluto e fico me debatendo internamente criando obstáculos impossíveis quando na verdade, veja só, ele parece insistir em arrebentar todas as trancas. Que não me importo. Que apareço às vezes apenas para vê-lo. Que em dois mil e dez eu andei até feliz e assim que dois mil e onze bateu à porta, eu chorei.

Que tem espaço para ele na minha vida, muito espaço, mas eu disse não. Na verdade eu nem disse nada, nem ele. Que foi bonito logo da primeira vez, mas foi mais bonito ainda depois, quando acreditei que saíam pequenas fagulhinhas a cada momento onde ele quase tocava em mim. Que quando tocou eu soube que não ia conseguir transformar aquilo em palavra. Que eu suspirava canções enquanto ele me olhava. Que ele tem uma voz mansa e uma risada sacana.

Que ele me fez criar intimidade com a cidade. Que poderia me pagar uma cerveja, bem gelada, por favor. Que eu tenho um amor que ainda me assombra a cada quatro meses, mas que é apenas amor, porque é o que fica quando tudo se vai. Que eu me emociono por motivos bobos e já senti raiva dele. Que eu tenho sonhos demais para esse ambiente. Que eu quero, como na música, corrermundocorrerperigo, e ele poderia vir comigo porque eu gostaria mais de tudo que pudesse ser olhado ao seu lado.

Que eu dificilmente me envolvo, mas quando me envolvo, me envolvo pra caralho. E às vezes falo palavrão. Que já aprendi a segurar a onda quando as coisas ficam heavy metal demais. Que eu ando atrás é de uma janela. Que eu gosto que ele goste dos meus cabelos curtos. Que sou louca e ele nem desconfia. Que esses textos todos não me representam, mas fotografam o que já fui e o que posso ser.

Que quando ele me chamou pelo nome pareceu deixar um pacote em meu colo e até hoje não consegui abrir. Que eu deixaria um livro pela metade só para ir ao seu encontro. Que eu não estou assim, tão entregue, mas posso ficar se ele beijar minha testa e me contar alguma historinha sentado ao meu lado no meio-fio. Até a esquina se espicharia para ver o modo como eu iria legendá-lo, com muita calma e rabiscos leves.

Que eu escrevo sobre o amor, mas não falo muito a respeito. Que eu gosto de rotina, de certezas, mas se não tiver chão não me importo em voar. Que eu quis acompanhá-lo naquele percurso mas desviei na esquina porque não queria dar bandeira demais. Que eu nunca dou bandeira demais e sempre espero sua volta, seja da sala ao lado ou de um trajeto muito curto. Eu espero.

Que eu gosto dele à tarde. Que eu não sei onde compra suas camisas e acho que deve usar cuecas brancas. Que gosto quando deixa o cabelo crescer e quando a barba desenha um ar desleixado em seu rosto. Que consegue ser charmoso ao encostar-se na parede, ao reclamar do sono. Que tem cara de quem faz um carinho gostoso ao pé do ouvido. Que ele poderia segurar minhas mãos, eu deixo.

Que disfarço meu querer bem. Que nunca atendi suas ligações porque nunca o chamei pelo nome. Que eu prefiro dizer eaíbabytudobom? e sorrio quando ele briga comigo perguntando de todo o sumiço. Que aqui, onde estou, o sol se põe mais tarde e a lua pode ser observada do ângulo mais incrível já visto. Que me falta a capacidade de analisar o que acontece mas ele poderia me ajudar a entender.

Que quando nos vimos de perto, tão de perto que eu pude guardar seu sorriso em minha boca enquanto ele me levava em seus olhos, houve algum sentimento que sambasse. Que eu não sei se temos alguma espécie de ritual. Que talvez ele pudesse ler atrás dos meus sorrisos vagabundos. Que ele tem um rosto que é praticamente um abuso, carregando todos os adjetivos mais belos possíveis. Que eu não ligo se minhas argolas douradas enroscarem em sua roupa, ele pode me abraçar.

Que eu escuto músicas que talvez ele não goste tanto assim. Que eu gosto que as mesas de bar sempre fiquem sujas de poesia no fim da noite. Que às vezes borboletas pousam no meu copo e eu acabo engolindo umas e outras, sem querer. Que sempre, onde houver um casal, haverá inúmeros clichês e novas possibilidades de estragos, dores, sofrimentos e eu quero que se foda. Sobrevive-se.

Que eu acho graça ao me recordar o dia em que ele deixou cair palavras que fizeram cócegas em minha pele suada. Que meu coração ultimamente só tem carregado pequenos acasos. Que despedaço caixas de fósforo com as mãos porque ando meio assustada e pensando muito nele. Que eu arremesso assim, muda, possibilidades. Tímidas, mas possibilidades.

É o que eu escreveria. E também diria que sim, claro que sim. I wish you, baby.
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"Em um pulso, o sol; no outro, a lua: as mãos são feitas de céu." (J. K.)
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