Nem vi você chegar,
foi como ser feliz de novo.
[Ensaio sobre
Ela – Cícero]
Eu queria
virar uma história bonita em meio a tanta história bonita que andava ouvindo
por aí. Esse talvez tenha sido o meu único plano da vida inteira: uma história
bonita.
Meu plano não
era que ele preenchesse meus espaços. Não era contar o que penso quando penso
nele – e penso muito. Não era beijá-lo antes de saber sua cor preferida, apesar
de achar que ele fica muito bem de vermelho. Não era abraçá-lo sem que ele
soubesse que ainda sou a menina do texto de Vinicius,
sem a flor. Meu plano não era gostar tanto dos seus olhos me enxergando de cima
e querer meu corpo junto ao seu mais um
pouquinho.
Meu plano não
era sonhar uma parede branca para escrevermos nossas inspirações de amor barato
sempre que desse vontade. Não era me apaixonar por ele mais tarde. Ou de manhã
cedinho. Ou qualquer hora que eu olhasse o relógio. Não era me apaixonar por
ele a qualquer tempo, o tempo inteiro. Não era ouvi-lo dizer que parecia estar
vivendo tudo o que um dia escreveu sonhando e sentir a mesma coisinha, em todos
os detalhes.
Meu plano não
era me esquecer naquele cara logo no primeiro segundo em que nos encontramos.
Não era ir trazendo-o para mim enquanto aquelas garrafas de cerveja iam sendo
esvaziadas entre palavras demais, sorrisos demais, olhares demais. Não era. Não
era comer todos os beijos que estavam em sua boca durante minha presença. Não
era saber que não ia me saciar tão cedo.
Meu plano não
era tanto carinho. Tanto toque. Tanta vontade. Não era deixar nossas palavras
se enlaçarem. Não era andar por aí de mãos dadas com ele, sentir um frisson
desarrumado dentro do seu abraço, me acostumar com todos aqueles lugares
diferentes apenas por tê-lo ao lado. Não era deixar aquele emaranhado de coisas
acumuladas despencando pelas ruas de pedra do Pelourinho enquanto caminhávamos em cima da poesia alheia.
Meu plano não
era meu coração balançar no dia seguinte, na hora de dizer tchau. Não era
convidá-lo a vir embora comigo. Não era fazer o caminho de volta completamente
anestesiada de uma paixão que ainda não sabia ter nome. Não era ficar assustada
com uma saudade que quase dava pra tocar, de tanto que era sentida. Não era
chorar quando ele me disse uma coisa bonita, nem me perder a cada vez que
lembro um momento nosso.
Meu plano não
era me apaixonar. Não era me apaixonar por um cara tão chato quanto eu. Não era
me deixar levar por um cara que tem uma lábia tão sacana. Não era conhecer melhor
esse cara, encontrar afinidades, poesia, terapia, delicadeza, loucura,
intensidade, música, sensibilidade. Não era deixar que as palavras antecipassem
nossos momentos. Não era desativar todos os meus freios apenas por estar louca de
curiosidade para ver onde vamos chegar. Não era nada disso. Meu plano não era
me encontrar, nesse cara.
Meu plano não
era chamá-lo para deitar ao meu lado, naquele dia de manhã cedinho. Meu plano
não era que nos encaixássemos tão bem. Não era gostar de fazer um carinho em
seus cabelos, de dar uma mordida em seus lábios e tampouco de me esquecer em
seus ombros. Não era me acostumar com sua presença, um pouquinho mais a cada
dia. Não era seguir desatenta para lugar algum e chegar onde estamos. Não era
querer fazer dar certo. Muito certo, mesmo eu sendo tão errada. Não era deixar
ligar uma emoção tão vermelha assim, em mim.
Meu plano não
era deixá-lo cravar suas vontades em meu peito. Ser dele como nunca antes havia
sido de ninguém. Não era sorrir ao tê-lo e muito menos que nos notássemos assim,
intensos demais, borrados de todasascores, alicerçados por desejos, sem marcar
tempo ou dar medidas. Não era que ele me fizesse esquecer onde já doeu, que me
tomasse o medo de encarar meus medos. Não era que seus gestos doces
desprendessem todas aquelas coisas lindas que já andavam esquecidas aqui
dentro. Não era que ele as tivesse tão facilmente.
Meu plano não
era escrever um primeiro texto assim. Não era, tão cedo, passar a encontrá-lo
em tudo o que leio. Tudo o que ouço. Não era deixar meu coração dançar quando
ele me entregou aqueles versos no papel. Não era permiti-lo desafiar minhas
certezas em relação ao que havia adormecido. Permiti-lo acordar constelações
pequenas que já reluziam meio fracas do meu lado de dentro. Não era estar como
agora, fazendo sol por qualquer motivo.
Meu plano em
nenhum momento foi perder as chaves quando deixei-o entrar. E talvez agora ele se
embarace nessas linhas. Talvez ele se embarace e, no final, ao resolvermos
montar as coisas certas, terminemos levando as palavras um do outro. Quem sabe
um novo poema seja escrito. Quem sabe já estejamos escrevendo-o desde que
existiu aquela ponte entre dois olhares. Carrego ainda cachos daqueles afetos
azuis pendurados em meus cílios. Meu plano não era fazer dessa uma história
bonita. Meus planos não mudaram.
Meu plano,
hoje, é ele. A minha história. A mais bonita.
Para o cara de Câncer – meu paraíso astral.