Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
[Teresa – Manuel Bandeira]
Espalhava sua sandice pelas ruas de terra, cantando, enquanto
caminhava carregando o sol em seus ombros, equilibrando um balde na cabeça.
Teresa só ouvia o que o coração ditava, não se dava muito com a racionalidade
das coisas. Sorria dia e noite, todos os dias, doendo ou latejando. Contrariava
todos os nãos que ouvia e sabia que era esse o motivo de lapidar em si asas
cada vez maiores. Teresa ia voar para conhecer o mar.
O amor de Teresa por tudo e qualquer coisa não pedia autorização.
Mesmo nos dias onde a vida ia difícil, ela amava porquê sim. Coisas do sertão,
que lhe permitia ser tão. Fazia suas orações em silêncio e agradecia tão bonito
por todos os segundos, que nem relógio precisava usar. Teresa chegava bem em
todas as suas horas, atraso não existe quando se vive assim. Os minutos eram
tão seus amigos que aprenderam a preparar o tempo para recebê-la. Teresa é quem
ditava os seus ponteiros. Não tinha pressa, sabia que o para sempre não se
mede. E era atrás do sempre que ela sempre vivia.
Ia casar de vermelho, com uma rosa bonita nos cabelos pretos.
Enquanto isso, combinava flores com todos os vestidos das horas de labuta. Quando
as pétalas murchavam, Teresa sentia-se anoitecer; era quando a lua caía depressa em
suas retinas. Daí então a poesia disparava como um alarme dentro do seu
peito, sempre estufado de coisas boas, todas ajeitadas ali, empilhadas
em suas estantes internas - estantes de bem querências. Nessa hora Teresa nem
desconfiava que seus olhos nasceram antes só para alimentar suas lentes azuis de
tanto.
Os carinhos mais doces que encontravam nas redondezas tinham
alugado suas mãos calejadas para morar. Ali, misturados ao endurecimento das
batalhas, a ternura sempre vencia. Não havia quem não quisesse o colo de Teresa
para fazer um ninho bom. Era tanta melodia suave que saía de sua boca que logo
descobriram: além de tudo, passarinha também inventara de ser.
Daí então os anos passaram, os tempos mudaram, e toda essa vida sem
parar. No vilarejo mais bonito de todo aquele sertão Teresa tinha feito sua
história. Quando era vista de longe já anunciavam: lá vem Teresa, toda ocupada
em sua festa de ser quem é. Teve um dia então onde enviaram do mundo um espelho
bem espelhado, presente de quem lhe gostava e achou que a imagem de duas
Teresas, uma dentro e uma fora do espelho, faria de toda aquela seca um tempo
muito de primavera. Foi quando Teresa pode finalmente olhar seus olhos bem de
perto. E só viu vantagem: todo aquele anil morando entre suas pálpebras. O mundo
inteiro morando dentro de si. Abriu suas janelas e transbordou em água e sal –
era mar. Seu sonho que já tinha nascido antes, só para lhe fazer morada.
Teresa a vida inteira fantasiou o que já vestia-lhe pelo avesso.
E foi tanto preparo, tanto sorriso, tanta dança e rodopio de saia, que até choveu. Foi tanto amor amado, tanto conto contado, tanta flor que floriu, arco-íris nasceu, tanto céu que azulou, que Teresa voou. E ninguém nem viu.