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Jaya Magalhães


Eu nunca gostei de ter um nome diferente, especificamente durante a minha infância. Não achava bonito ter um nome em sânscrito, porque ninguém sabia o significado. Quando alguém se interessava eu contava uma história misturada com Hare Krsna, mantras e qualquer coisa da Índia. Escolha de meu pai. Eu nunca gostei de ter um nome diferente até o dia em que me olhei no espelho e percebi nos meus olhos, no formato do meu rosto, que eu jamais aceitaria ser chamada por outro nome – que eu jamais atenderia, ao ser chamada por outro nome. Dentro do meu mundo, sou a única que responde quando entoam essas quatro pequenas letras. Não existe outra, apesar de existirem outras, em outros mundos. Aqui, na parede do meu quarto, ao lado da minha cama, sempre teve esse quadro: Krsna, hindu em todas as suas muitas cores. Um dos deuses que me abençoam, e para quem deve ser muito simples cantar o que me explica.

Eu sempre tive muito medo de amar, tanto ainda mais quando não tinha noção de que já nasci amando: nasci do amor, daí esse sufoco de coração. Eu sempre tive muito medo de amar porque sempre tive muito medo de doer, sem nem saber, entretanto, o quanto dói viver, independente do que/ a quem se ama. Foram muitos anos de defesas inconscientes até perceber que tudo é tão melhor quando ele coloca a mão na minha coxa e eu sinto que cada dia é mais bonito por poder transbordar meu melhor lado em alguém. Amor é uma espécie de fé: quando se tem, viver é preciso, correto, e o universo se enche de axé. O que sou, ao lado dele, o brilho dos meus olhos é quem sempre diz. Ele sabe onde fica cada uma das minhas pintas e eu construo pilhas e mais pilhas de palavras para falar sobre ele enquanto releio os livros que me deu de presente no último Natal.

A minha maior preocupação sempre foi ser. O que, como, porquê eu seria. Procurava entender a mecânica da alma tentando encher de ciência toda a minha falta de lógica. Doida ou santa, não entendia se pendia para a sorte ou para o destino. Foram amarrados desejos que só deixaram arranhões no meu teto de tanto que os encarei com a cabeça no travesseiro, fechando depois os olhos sem saber por onde caminhar. Caminhar, quando só queria mesmo é voar. Foi quando entendi: passarinho. Daí então me alimentei de tantas pequenezas que minha vida nunca mais foi igual. Uma distraída ave, delicada e transparente, chorando para brotar as sementes internas e catar frutos de poesia. Uma agonia cheia de intensidade por me saber perdida em uma época sem espaço para nos pesquisarmos. Tanta preocupação em ser, quando tudo eu já era. Tanto, eu já sou. E gosto quando ele chega e me olha como se eu fosse um feriado, porque é quando sei que é sempre tempo para tudo.  


Aí eu escuto meu nome, amo e sou, como num bordado, onde tudo se comunica. Tão viva que consola a vida. Jaya significa Vitória e eu escolhi só contabilizar os ganhos.
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Entrou já atrasada, descalça, segurando os sapatos de saltos muito altos na mão esquerda. Na mão direita, equilibrava a bolsa e um cigarro que tentava manter-se aceso entre o polegar e o indicador, apesar da chuva. Caminhava nas pontas dos pés, com os cabelos encharcados e a face em aquarela chorosa, pela maquiagem que escorria. Não quis toalha para enxugar o excesso de água, estava com muito calor - repetiu duas vezes. Sentou-se.

- Me protegi na marquise do prédio da esquina por quase uma hora, até que me descontrolei. Sou eternamente água em minhas vezes de sereia. Sol, ascendente, lua, Vênus: tudo água. Caminhei pela rua deserta em passos muito lentos, me deixando molhar na espera de que tudo o que ainda fosse broto acordasse dentro de mim. Tudo o que carrego quer amanhecer, principalmente no meio de uma madrugada muito amarela. Astrologia é uma das desculpas da vida. Hoje saí de casa querendo fazer parte de um musical, nadar pelada num rio de águas muito transparentes, me sentir plena, louca, solta, mulher – despudoradamente mulher. É necessário ser aceita, por ser. Afinal, não somos, todos? Saí querendo poder andar de bicicleta com meu salto agulha, que é tão frágil, mas equilibra o meu mundo – e só os deuses sabem o peso que o mundo tem. Saí querendo alguém que me queira gostoso, com olhos, nariz, boca, pele, sexo – e poesia. É preciso que se queira com poesia. Tenho sentido muito frio em dias com muito sol. Ando na expectativa de escrever um manual explicando que ninguém deve jamais ler a vida como um manual – não somos estáticos, nos fodemos e nos curamos dia e noite. Um coração partido se quebra para, na soma, multiplicar ainda mais de si. Tenho esses cacos todos, rachaduras profundas, já enlouqueci oitocentas e noventa e seis vezes nas últimas quatro horas. A loucura infinita se infiltrou em cada uma das minhas veias e escrevi um livro de ontem pra hoje, cento e dezenove páginas em nome da necessidade de me livrar de toda e qualquer história que ele ainda possa protagonizar na minha vida. Agora só tem espaço para mim – reticências infinitas para todos os novos roteiros que chegarão. Posso acender mais um cigarro? Me desculpe.

Enquanto falava, balançava muito as pernas. Soltava a fumaça entre os lábios bonitos que tinham um estranho formato de coração e parecia haver ali – atrás de toda a fumaça - um véu, através do qual eu peneirava seu desespero. Aquele delicioso desespero de quem vai. Ela estava indo.

- Acendo todos esses cigarros porque geralmente não sei o que fazer com as mãos, existe um vão muito grande e fico na ânsia de agarrar alguma coisa. Qualquer coisa. É tão importante que se tenha algo nas mãos! Você não acha? Talvez a ideia de possessão. De poder controlar algo. Sou tão intensamente descontrolada que meus olhos denunciam. Minha nudez maior eu carrego entre as pálpebras, sou transparente, muito clara, só me cubro para sonhar - é quando as pálpebras me vestem, então. Sentir continua a ser a única maneira que conheço de estar viva. Sentindo, não preciso fazer sentido algum. E não faço. Tenho visto todos aqueles filmes franceses, ensaiado uns puta delírios completamente europeus, entrado em transe a cada vez que uma coisa muito linda se aproxima. É incontestável a imensa beleza que tudo carrega. A minha ansiedade é desesperadora. Me livrei de promessas. As coisas agora acontecem quando me deixo engravidar por elas, preferivelmente ao engolir distraídos copos de cerveja e sentir a vida muito dócil, maleável. Minha gestação dura uma vida inteira. Carrego amor, o parto é eterno. Entre transtornos e felicidades: sobrevivo. Minha cama continua grande demais, meu coração cansado demais, minha vida um teatro com atores ruins demais. Um problema muito comum, uma vez que ninguém ensaia para cair no mundo. A gente sai da nossa redoma aos prantos. Nascer dói. Renascer, no entanto, é doce. Estou renascendo. Isso é bom pra caralho.

Levantou-se e saiu, assim: despetalada, exalando aquele seu cheiro louco, voando em plena tempestade, semente de si mesma, aguardando a próxima primavera.
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