Quando é
outono o tom da vida fica sépia e minhas horas mais suaves. É a estação onde me
sinto mais sã, quando o tempo sopra um pouco mais manso e consigo desacelerar
alguns sentidos para fazer história do que foi passando até aqui. É essa a
época que escolho para remontar minhas epifanias mais intensas e para reaprender
a desengasgar meu coração. No outono as coisas caminham sem pressa para os seus
lugares preferidos e refaço mentalmente todos aqueles bons projetos que me
pegam pelas mãos e me empurram para frente a cada dia um pouco mais, porque é
sempre tempo de.
Quatro
horas da tarde e o céu começa a mudar. Chove. Tudo o que derrama em mim é muita
coisa, mesmo eu sendo assim tão rasa dentro dessa profundidade de emoções. A
vida não é mais a mesma e sei que pelo menos uma coisa jamais será igual. Uma
lágrima cai. Entro tão para dentro de mim mesma que resolvo fazer um bolo só
para que a casa possa soltar por todos os cantos esse cheiro acolhedor de
muitas memórias. A receita já está decorada, basta tatear um monte de ontem e
consigo mixar vozes e sorrisos. Passo a passo tudo se remonta em minhas mãos e
na mistura de sensações minha vida acaba sendo doce. Forno quente, o
apartamento começa a ser preenchido enquanto exala um aroma de muitos dias bons
pelos quais passei. Daí então meu coração se acalma e eu me sinto mais perto.
De tudo.
Quando ele
chegou, foi guiado por toda essa poesia palatável. O que escrevo nem sempre é
palavra e ele sempre entende. Me abraça perdido no meio das minhas inúmeras
guerras particulares e sofre quando não sei pelo que sofro. Ele fica, mesmo
assim. Nessas horas me dá uma certeza besta e distraída de que fiz a escolha
certa. E continuo a escolhê-lo, todos os dias. Sem romantizar tanto assim,
vivendo a realidade, pagando contas, olhando para o lado na rua, sentindo
enjoos, quebrando paradigmas dos versos alheios. Ele reclama que me chama para
dançar e não danço, sem nem suspeitar que foi o único a quem já permiti guiar muitos
dos meus passos. A gente se tem e é bom. Não existe garantia e é muito
importante que nós dois saibamos disso. Não existe manual, a cada instante algo vai
se encaixar diferente num lugar onde a gente nem sabe que existe. Amar não
basta e tudo é soma. Não precisa ser fácil. Só precisa ser.
É fim de
tarde e no outono o amarelo do sol é mais bonito. Sirvo um pedaço do bolo e
tento lembrar aquela música com letra engraçada que ouvi tocar no rádio, sem
sucesso. Decido escrever enquanto coloco as roupas na máquina de lavar e penso
em comprar florais e flores. Refaço meu mapa astral buscando explicar algumas
confusões, mas nunca consigo entender nada. É sempre azul o lugar que me atrai.
Hoje escrevi
pela primeira vez uma carta de amor, e ela foi endereçada a mim.