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Jaya Magalhães


Quando é outono o tom da vida fica sépia e minhas horas mais suaves. É a estação onde me sinto mais sã, quando o tempo sopra um pouco mais manso e consigo desacelerar alguns sentidos para fazer história do que foi passando até aqui. É essa a época que escolho para remontar minhas epifanias mais intensas e para reaprender a desengasgar meu coração. No outono as coisas caminham sem pressa para os seus lugares preferidos e refaço mentalmente todos aqueles bons projetos que me pegam pelas mãos e me empurram para frente a cada dia um pouco mais, porque é sempre tempo de.

Quatro horas da tarde e o céu começa a mudar. Chove. Tudo o que derrama em mim é muita coisa, mesmo eu sendo assim tão rasa dentro dessa profundidade de emoções. A vida não é mais a mesma e sei que pelo menos uma coisa jamais será igual. Uma lágrima cai. Entro tão para dentro de mim mesma que resolvo fazer um bolo só para que a casa possa soltar por todos os cantos esse cheiro acolhedor de muitas memórias. A receita já está decorada, basta tatear um monte de ontem e consigo mixar vozes e sorrisos. Passo a passo tudo se remonta em minhas mãos e na mistura de sensações minha vida acaba sendo doce. Forno quente, o apartamento começa a ser preenchido enquanto exala um aroma de muitos dias bons pelos quais passei. Daí então meu coração se acalma e eu me sinto mais perto. De tudo.

Quando ele chegou, foi guiado por toda essa poesia palatável. O que escrevo nem sempre é palavra e ele sempre entende. Me abraça perdido no meio das minhas inúmeras guerras particulares e sofre quando não sei pelo que sofro. Ele fica, mesmo assim. Nessas horas me dá uma certeza besta e distraída de que fiz a escolha certa. E continuo a escolhê-lo, todos os dias. Sem romantizar tanto assim, vivendo a realidade, pagando contas, olhando para o lado na rua, sentindo enjoos, quebrando paradigmas dos versos alheios. Ele reclama que me chama para dançar e não danço, sem nem suspeitar que foi o único a quem já permiti guiar muitos dos meus passos. A gente se tem e é bom. Não existe garantia e é muito importante que nós dois saibamos disso. Não existe manual, a cada instante algo vai se encaixar diferente num lugar onde a gente nem sabe que existe. Amar não basta e tudo é soma. Não precisa ser fácil. Só precisa ser.

É fim de tarde e no outono o amarelo do sol é mais bonito. Sirvo um pedaço do bolo e tento lembrar aquela música com letra engraçada que ouvi tocar no rádio, sem sucesso. Decido escrever enquanto coloco as roupas na máquina de lavar e penso em comprar florais e flores. Refaço meu mapa astral buscando explicar algumas confusões, mas nunca consigo entender nada. É sempre azul o lugar que me atrai.

Hoje escrevi pela primeira vez uma carta de amor, e ela foi endereçada a mim.

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