Eu só queria era saber, seu Zé. Quem é que inventou esse tal de tempo? Porque se o senhor parar e pensar aqui mais eu, deve ter dado um
trabalhão bem grande, viu? Repara bem: às vezes ele passa voando, como se estivesse
apostando uma corrida muito importante. Não dá nem pra (vi)ver direito. Quando isso acontece eu fico meio angustiada, querendo ser bem rápida para alcançá-lo. Outras
vezes ele parece que só quer descansar, aí fica quase parado, dando passinhos
lentos, como se pedisse uma canção de ninar. Nessas horas eu imagino cá comigo que, se fosse possível, dava um impulso cheio de força para ele cumprir seus prazos. Não entendo o motivo desse tempo ser assim, tão indeciso. Por esses dias aí, ouvi um moço
dizendo na rua que não teria tempo para ir ao aniversário da filha e logo sonhei: se tivesse alguém vendendo o tempo que não usa, poderia emprestar um pouco a
esse moço. Seria um presente muito bonito, o senhor não acha? O tempo pode ser
tanta coisa, seu Zé. Por exemplo. Quando chove, dizem que vai fazer tempo ruim; quando o céu é amarelo, dizem que o tempo está muito agradável. Viu que confusão mais doida? Tem adjetivo que nem cabe. Gosto muito de chuva e não acho nada feio. O céu também tem suas horas de choro. Eu mesma às vezes choro quando estou muito feliz e fico tão
ensolarada nessa hora! Pois então o senhor veja, se até eu consigo ser feliz com os dois tempos juntos, o tempo só pode ser sempre bom. Mesmo quando fica instável, depois ele
acaba sorrindo. O arco-íris é a maior prova disso: ele é mesmo é o sorriso do céu. Quando o sol vem mais a chuva, o que acontece é aquarela e mais nada. O tempo é arte, seu Zé.
Outra coisa. Quem toma conta do tempo podia aprender a dividir
tudo bem certinho com todo mundo e dar um pouquinho de autonomia. Porque se no meio dessas coisas todas que ele
é, cada pessoa puder ter e controlar o seu tempo, fica mais fácil resolver a vida de muita
gente. Vejo os trem acontecendo, seu Zé. A minha mãe mesmo vive dizendo que queria que eu ficasse pequenininha
por mais tempo, mas ela nem sabe que alguns tempos não voltam mais e isso não deve ser uma coisa triste. Ela pode sempre vivê-lo quando olhar nossas fotografias - pedacinhos furtados de tempo, como o senhor bem disse. Ou então basta fechar os olhos. A minha avó queria ter mais tempo para conhecer os filhos
que eu vou ter quando crescer, mal suspeitando que independente de onde ela estiver, estará também neles só pela herança que deixou arraigada em mim. E eu mesma queria ter mais tempo sobrando quando
nos encontramos, só para fazer uma lista de suposições e questionamentos que o
senhor sempre chama de poesia. Mas na poesia o tempo é sempre, né? Eu já sei.
Na verdade, seu Zé, eu acho mesmo é que o tempo é poesia. E quem vai entender
uma coisa dessas? Todo mundo queria ter mais tempo, mas ninguém nem presta
atenção nele. Vai ver toda essa reclamação é na verdade porque ninguém
entendeu ainda que pode fazer mágica. Cá entre nós, fora em situações muito
inevitáveis, a gente acaba criando tempo, como num feitiço. Eu tenho até um segredo: atraso meu
relógio quando é hora de amar e nem ligo. No amor é sempre tempo, seu Zé. Para o amor, o tempo sempre será.
Teve um dia meio esquisito uma vez, quando meu avô foi morar no céu e
disseram que o tempo dele aqui já tinha acabado. Dizem que quem tem os cabelos
branquinhos assim que nem o do senhor, é porque já viveu muito tempo. E se o
tempo é algo que a gente vive, como então que ninguém para e faz um monte de
pergunta a ele? Por que é que as pessoas falam que não dá mais tempo de fazer
alguma coisa se tá todo mundo bem vivinho e sendo? O tempo é estar. Existe sempre um instante pra tudo, seu Zé. Mesmo quando não dá tempo, ainda dá. Isso eu entendi
sozinha. E um fato que vem sendo muito conhecido meu é o seguinte: o tempo de ninguém é igual. O senhor, mesmo. Agora escolheu morar na roça e cuidar das suas
plantinhas, mas a minha vizinha, que tem um tempo muito parecido com o seu, resolveu
que agora era a vez dela de começar a ser tudo o que achou que perdeu. Não sei se estou explicando
direito... Eu só queria que todo mundo entendesse que não existe hora marcada
para que nada aconteça. E se na sua vez aconteceu de um jeito, na vez do outro
pode acontecer tudo diferente e ser muito bom também. O tempo a gente é quem
faz, seu Zé. Agora entendi foi tudo.
O tempo é sempre uma vantagem. O que aprendi muito
com meu avô foi que, uma das mais bonitas vantagens do tempo que passa, é que podemos guardar tudo o que passou aqui, bem dentro da gente. Daí tudo fica. É
nessa hora que nos enchemos de vida, seu Zé. Eu enxergava direitinho nos olhos
dele todo mundo que ele foi no tempo antigo. Cada história que ele jogava pra
dentro de mim, era um jeito de me presentear com um pouco do seu tempo. O
senhor não acha maravilhoso o fato de que sejamos assim, cheios de tempo de
ontem para espalharmos pelo tempo que ainda virá? As minhas idades todas estão
aqui, bem guardadinhas dentro do que eu sou. Essa é outra vantagem do tempo:
podemos ter a idade que quisermos, pois elas seguem em quem somos. O tempo do
meu avô, seu Zé, hoje mora no meu coração. Tudo fica e ele fi(n)cou. A cada vez
que falo sobre ele, tudo vira parte do meu tempo de hoje. Então a verdade mesmo
é que o tempo de ninguém acaba, porque somos sempre continuação do que já
aconteceu. O senhor concorda que também somos, nós mesmos, o tempo? Daqui a
pouco, seu Zé, vou continuar também o senhor e alguém vai continuar nós dois quando tirar um pouco do
seu tempo para ler essas nossas palavras.
O tempo é contínuo. E só somos assim, tão eternos
quanto ele, porque sempre haverá alguém levando um pouco dos nossos contos. Dos
nossos casos. Sempre existirá pelo menos um coração onde seremos infinitos. E
nesse infinito, seu Zé, somos todos atemporais.