instagram Email

Jaya Magalhães


Eu só queria era saber, seu Zé. Quem é que inventou esse tal de tempo? Porque se o senhor parar e pensar aqui mais eu, deve ter dado um trabalhão bem grande, viu? Repara bem: às vezes ele passa voando, como se estivesse apostando uma corrida muito importante. Não dá nem pra (vi)ver direito. Quando isso acontece eu fico meio angustiada, querendo ser bem rápida para alcançá-lo. Outras vezes ele parece que só quer descansar, aí fica quase parado, dando passinhos lentos, como se pedisse uma canção de ninar. Nessas horas eu imagino cá comigo que, se fosse possível, dava um impulso cheio de força para ele cumprir seus prazos. Não entendo o motivo desse tempo ser assim, tão indeciso. Por esses dias aí, ouvi um moço dizendo na rua que não teria tempo para ir ao aniversário da filha e logo sonhei: se tivesse alguém vendendo o tempo que não usa, poderia emprestar um pouco a esse moço. Seria um presente muito bonito, o senhor não acha? O tempo pode ser tanta coisa, seu Zé. Por exemplo. Quando chove, dizem que vai fazer tempo ruim; quando o céu é amarelo, dizem que o tempo está muito agradável. Viu que confusão mais doida? Tem adjetivo que nem cabe. Gosto muito de chuva e não acho nada feio. O céu também tem suas horas de choro. Eu mesma às vezes choro quando estou muito feliz e fico tão ensolarada nessa hora! Pois então o senhor veja, se até eu consigo ser feliz com os dois tempos juntos, o tempo só pode ser sempre bom. Mesmo quando fica instável, depois ele acaba sorrindo. O arco-íris é a maior prova disso: ele é mesmo é o sorriso do céu. Quando o sol vem mais a chuva, o que acontece é aquarela e mais nada. O tempo é arte, seu Zé.

Outra coisa. Quem toma conta do tempo podia aprender a dividir tudo bem certinho com todo mundo e dar um pouquinho de autonomia. Porque se no meio dessas coisas todas que ele é, cada pessoa puder ter e controlar o seu tempo, fica mais fácil resolver a vida de muita gente. Vejo os trem acontecendo, seu Zé. A minha mãe mesmo vive dizendo que queria que eu ficasse pequenininha por mais tempo, mas ela nem sabe que alguns tempos não voltam mais e isso não deve ser uma coisa triste. Ela pode sempre vivê-lo quando olhar nossas fotografias - pedacinhos furtados de tempo, como o senhor bem disse. Ou então basta fechar os olhos. A minha avó queria ter mais tempo para conhecer os filhos que eu vou ter quando crescer, mal suspeitando que independente de onde ela estiver, estará também neles só pela herança que deixou arraigada em mim. E eu mesma queria ter mais tempo sobrando quando nos encontramos, só para fazer uma lista de suposições e questionamentos que o senhor sempre chama de poesia. Mas na poesia o tempo é sempre, né? Eu já sei. Na verdade, seu Zé, eu acho mesmo é que o tempo é poesia. E quem vai entender uma coisa dessas? Todo mundo queria ter mais tempo, mas ninguém nem presta atenção nele. Vai ver toda essa reclamação é na verdade porque ninguém entendeu ainda que pode fazer mágica. Cá entre nós, fora em situações muito inevitáveis, a gente acaba criando tempo, como num feitiço. Eu tenho até um segredo: atraso meu relógio quando é hora de amar e nem ligo. No amor é sempre tempo, seu Zé. Para o amor, o tempo sempre será.

Teve um dia meio esquisito uma vez, quando meu avô foi morar no céu e disseram que o tempo dele aqui já tinha acabado. Dizem que quem tem os cabelos branquinhos assim que nem o do senhor, é porque já viveu muito tempo. E se o tempo é algo que a gente vive, como então que ninguém para e faz um monte de pergunta a ele? Por que é que as pessoas falam que não dá mais tempo de fazer alguma coisa se tá todo mundo bem vivinho e sendo? O tempo é estar. Existe sempre um instante pra tudo, seu Zé. Mesmo quando não dá tempo, ainda dá. Isso eu entendi sozinha. E um fato que vem sendo muito conhecido meu é o seguinte: o tempo de ninguém é igual. O senhor, mesmo. Agora escolheu morar na roça e cuidar das suas plantinhas, mas a minha vizinha, que tem um tempo muito parecido com o seu, resolveu que agora era a vez dela de começar a ser tudo o que achou que perdeu. Não sei se estou explicando direito... Eu só queria que todo mundo entendesse que não existe hora marcada para que nada aconteça. E se na sua vez aconteceu de um jeito, na vez do outro pode acontecer tudo diferente e ser muito bom também. O tempo a gente é quem faz, seu Zé. Agora entendi foi tudo.

O tempo é sempre uma vantagem. O que aprendi muito com meu avô foi que, uma das mais bonitas vantagens do tempo que passa, é que podemos guardar tudo o que passou aqui, bem dentro da gente. Daí tudo fica. É nessa hora que nos enchemos de vida, seu Zé. Eu enxergava direitinho nos olhos dele todo mundo que ele foi no tempo antigo. Cada história que ele jogava pra dentro de mim, era um jeito de me presentear com um pouco do seu tempo. O senhor não acha maravilhoso o fato de que sejamos assim, cheios de tempo de ontem para espalharmos pelo tempo que ainda virá? As minhas idades todas estão aqui, bem guardadinhas dentro do que eu sou. Essa é outra vantagem do tempo: podemos ter a idade que quisermos, pois elas seguem em quem somos. O tempo do meu avô, seu Zé, hoje mora no meu coração. Tudo fica e ele fi(n)cou. A cada vez que falo sobre ele, tudo vira parte do meu tempo de hoje. Então a verdade mesmo é que o tempo de ninguém acaba, porque somos sempre continuação do que já aconteceu. O senhor concorda que também somos, nós mesmos, o tempo? Daqui a pouco, seu Zé, vou continuar também o senhor e alguém vai continuar nós dois quando tirar um pouco do seu tempo para ler essas nossas palavras.

O tempo é contínuo. E só somos assim, tão eternos quanto ele, porque sempre haverá alguém levando um pouco dos nossos contos. Dos nossos casos. Sempre existirá pelo menos um coração onde seremos infinitos. E nesse infinito, seu Zé, somos todos atemporais.

Share
Tweet
Pin
Share
6 comentários
Newer Posts
Older Posts

E-book | Hotmart

  • Líricas

Estradas

  • Escreve
  • Social
  • Livro
  • Curtinhas
  • Dengo

Queridinhos da Semana

  • Antônio,
    Eu achava que nunca mais iria sentar para escrever e direcionar alguma palavra a você. Mas é quarentena, e diante de tanta coisa que vivi no...
  • Vitória da Conquista
    O destaque começa no outono. Não apenas por estarmos na serra e sermos presenteados com alguns dos pores de sol mais merecedores de plateia,...
  • Imbróglio
    E lá fui eu, molhar a pontinha do dedo, mesmo conseguindo enxergar com muita facilidade, desde o terceiro oi , o quanto você é raso. Em meio...

Páginas

  • ►  2022 (1)
    • ►  novembro 2022 (1)
  • ►  2021 (7)
    • ►  outubro 2021 (2)
    • ►  setembro 2021 (1)
    • ►  maio 2021 (1)
    • ►  março 2021 (2)
    • ►  fevereiro 2021 (1)
  • ►  2020 (16)
    • ►  dezembro 2020 (1)
    • ►  novembro 2020 (5)
    • ►  outubro 2020 (2)
    • ►  setembro 2020 (2)
    • ►  agosto 2020 (2)
    • ►  junho 2020 (1)
    • ►  maio 2020 (2)
    • ►  março 2020 (1)
  • ►  2019 (3)
    • ►  dezembro 2019 (1)
    • ►  fevereiro 2019 (1)
    • ►  janeiro 2019 (1)
  • ▼  2018 (7)
    • ►  dezembro 2018 (1)
    • ▼  setembro 2018 (1)
      • Atemporal.
    • ►  julho 2018 (1)
    • ►  maio 2018 (1)
    • ►  março 2018 (1)
    • ►  fevereiro 2018 (1)
    • ►  janeiro 2018 (1)
  • ►  2017 (14)
    • ►  novembro 2017 (1)
    • ►  outubro 2017 (1)
    • ►  agosto 2017 (2)
    • ►  julho 2017 (2)
    • ►  maio 2017 (1)
    • ►  abril 2017 (2)
    • ►  março 2017 (2)
    • ►  fevereiro 2017 (2)
    • ►  janeiro 2017 (1)
  • ►  2016 (6)
    • ►  dezembro 2016 (1)
    • ►  outubro 2016 (1)
    • ►  agosto 2016 (2)
    • ►  julho 2016 (1)
    • ►  fevereiro 2016 (1)
  • ►  2015 (1)
    • ►  novembro 2015 (1)
  • ►  2014 (1)
    • ►  setembro 2014 (1)
  • ►  2013 (1)
    • ►  março 2013 (1)
  • ►  2012 (5)
    • ►  dezembro 2012 (1)
    • ►  setembro 2012 (1)
    • ►  agosto 2012 (1)
    • ►  maio 2012 (1)
    • ►  fevereiro 2012 (1)
  • ►  2011 (12)
    • ►  novembro 2011 (1)
    • ►  outubro 2011 (2)
    • ►  setembro 2011 (2)
    • ►  julho 2011 (2)
    • ►  maio 2011 (1)
    • ►  abril 2011 (1)
    • ►  fevereiro 2011 (2)
    • ►  janeiro 2011 (1)
  • ►  2010 (21)
    • ►  dezembro 2010 (1)
    • ►  novembro 2010 (1)
    • ►  outubro 2010 (1)
    • ►  setembro 2010 (1)
    • ►  agosto 2010 (2)
    • ►  julho 2010 (2)
    • ►  junho 2010 (2)
    • ►  maio 2010 (2)
    • ►  abril 2010 (2)
    • ►  março 2010 (3)
    • ►  fevereiro 2010 (2)
    • ►  janeiro 2010 (2)
  • ►  2009 (29)
    • ►  dezembro 2009 (3)
    • ►  outubro 2009 (5)
    • ►  setembro 2009 (3)
    • ►  agosto 2009 (3)
    • ►  julho 2009 (2)
    • ►  junho 2009 (4)
    • ►  maio 2009 (2)
    • ►  abril 2009 (2)
    • ►  março 2009 (2)
    • ►  fevereiro 2009 (3)
  • ►  2008 (21)
    • ►  novembro 2008 (6)
    • ►  outubro 2008 (2)
    • ►  setembro 2008 (1)
    • ►  agosto 2008 (2)
    • ►  junho 2008 (1)
    • ►  maio 2008 (4)
    • ►  abril 2008 (1)
    • ►  março 2008 (1)
    • ►  fevereiro 2008 (2)
    • ►  janeiro 2008 (1)

Escreve

Minha foto
Jaya Magalhães
"Em um pulso, o sol; no outro, a lua: as mãos são feitas de céu." (J. K.)
Ver meu perfil completo

Created with by ThemeXpose | Distributed by Blogger Templates