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Jaya Magalhães


Tem também as estações do ano. As estações, Maria, são maneiras que o mundo encontrou de transmitir suas emoções. Ninguém é a mesma coisa o tempo inteiro, ainda bem. Os sentimentos são esses negocinhos flutuantes assim, que moram dentro de tudo o que está. O mundo sente. É quando os dias ficam bem diferentes do que estavam sendo e um novo cenário aparece pra gente viver nossas histórias. É quase igual a um teatro, só que pra valer: na vida de verdade a gente é quem tem que se adaptar às mudanças que o mundo traz. No teatro é tudo ensaiadinho para acontecer quando a novidade chega, mas na vida... Na vida não dá tempo de atuar, então a gente vai sendo quem a gente é, improvisando com alguma falta de jeito e vendo tudo se acertar sem hora marcada. Na vida nenhuma atuação dura muito, pois o mais importante é a espontaneidade diante das alternâncias. Então se algum dia você pisar num palco, menininha, e não conseguir ver brilhar ao redor a verdade que os olhos devem ter, entenda que esse roteiro não foi feito para caber a sua aventura. Cada um é dono do seu próprio espetáculo, então não faça testes para se adaptar ao romance de ninguém. Escreva (e seja) sua própria poesia.

Agora mesmo estamos no Verão e o Sol passa a ser muito comentado, como se fosse o protagonista – e acaba mesmo é sendo. No Verão a gente enxerga muita coisa e às vezes quase nada, porque nesse período o Sol disputa com todas as outras belezas do mundo e resolve cintilar de um jeito tão intenso que ofusca todos os olhinhos muito doces como os teus. Aqui onde estou, Maria, todo fim de tarde as pessoas fazem canções de ninar só para ver o Sol ir dormir. Daí então ele vai descendo devagarinho pelas nuvens até cair dentro do mar: sendo ele muito quente, também precisa se refrescar um tiquinho assim. O caminho é bem bonito, vou te mostrar. O céu fica de várias cores que não têm nome e que só quem tem o coração muito atento consegue ver. Quando dorme, o Sol não acorda até chegar o outro dia, porque a gente fica mesmo bem cansado depois de enfeitar vários lugares ao mesmo tempo, dá um trabalho danado. Sem o Sol, nada amanhece. Imagina a correria, iluminar tudo o que existe! Mas ele sempre chega a tempo. Quanto a você, continue sendo luz que irá reverberar por aí sem precisar explicar nada, basta preencher - é uma das lições dessa estação. Por aqui o ano começa bem desse jeitinho, ensinando todo mundo a ser estrela. O Verão é a estação do Sol, Maria. Todo amarelim. E o encontro preferido é a praia: quando o Sol junta mais o Mar, nossa! Você precisa ver a quantidade de gente que aparece pra fazer parte dessa fábula. Faça também, menininha. Sol e Sal e tudo vai se benzendo e iluminando para o que vier. Coloque amor que não tem erro, Maria.

Depois do Verão vem o Outono. É uma estação de transição, Maria, a minha preferida. Sabe quando a gente quer muito voar mas ainda não virou borboleta e é apenas uma lagartinha no casulo? Transição é isso. É quando precisa haver tempo para chegarmos onde queremos. É uma estação inteirinha de aprendizado, quando as horas ficam calminhas, num tom sépia, como se tudo fotografasse um pouquinho desbotado, pras vistas demorarem em cima do que a gente quiser, sem nenhuma pressa.  As folhas das árvores caem e fazem um tapete todo desenhado no chão dos parques, parece faz de conta. Todo o calor do Verão vai dando espaço a um ventinho mais ameno e o Sol já não é tão protagonista assim: agora ele aparece menos, como se pedisse um pouquinho de férias, chamando a Lua e as Estrelas para dividirem com ele os holofotes. No Outono, Maria, os dias ficam mais curtos e as noites mais extensas. Vai ver por isso é uma estação onde os poemas são mais suaves: dá tempo de sonhar devagarzinho. Outono é temporada de plantar o que vai nascer daqui a pouco. De deixar enraizar tudo o que é muito feliz e ver brotar um montão de sorrisos na próxima etapa. E se você semear uma série de coisinhas mansas, Maria, vai colher carinho a perder de vista.

Daí então chega o Inverno. É a estação mais diferente de todas. Para passar pelo Inverno, meu bem, é preciso ter escolhido direitinho o que trazer de todas as estações anteriores a ele. Dessa vez o protagonista é o frio. O Sol disputa por algumas horas, mas acaba perdendo o posto para o vento gelado. Na maior parte desse período, o céu fica cinza. E chove. É importante chover todas as dores, porque só assim a cura fica mais próxima. O mundo, assim como a gente, também precisa remendar seus cortes. No Inverno a gente aprende a escolher direitinho com o que/quem vai seguir de mãos dadas nos próximos dias. As cores mais ansiosas saem um pouco para passear e encontrar novas misturas para a estação que virá depois, daí a aquarela fica meio vazia de opções. O bom disso tudo é que a gente pode pintar como quiser, Maria. Fora que é esse o momento onde os afagos e canduras são mais bem-vindos. Tudo o que fizer ficar quentinho acaba sendo casa. Você, por exemplo, é uma casinha tão aconchegante que eu já me mudei aí pra dentro desde que nos abraçamos pela primeira vez. Seu coração aquece tudo o que mundo insistir em congelar, Mariazinha.

Quando o Inverno acaba, a Primavera se anuncia. Às vezes parece até que a gente nasceu só pra namorá-la. Só entende sobre florir quem consegue ser flor, assim, que nem você. Na emoção desse horizonte, mesmo na vida de verdade, lembra às vezes coisa encenada. Na Primavera o chão resolve entrar no conto e faz brotar um jardim em qualquer canto onde respingou um pouquinho distraído de mágica. É quando a gente consegue colher todo aquele carinho que semeou no Outono, lembra? A Primavera é uma escola que ensina que na vida, Maria, tudo pode ficar feliz no final. Se fazemos nossa parte, se espalhamos o bem, se colamos um esparadrapo de esperança nos arranhões que o mundo faz pelo caminho, o cenário muda num piscar de olhos: todas as novas emoções de encanto que estavam ali guardadas dentro da gente, doidinhas pra brincar, acontecem. E sorriem. A Primavera suporta o Inverno em silêncio, vai cuidando da sua estreia sem chamar muita atenção. É nos bastidores que tudo vai sendo criado antes que se permita que a plateia tenha acesso aos poeminhas. Então a Primavera rega todas as suas flores com as chuvas do Inverno, firma as raízes de tudo o que precisa muito germinar e ainda guarda de presente um perfume que só vai sentir quem estiver lá. Você consegue entender, Mariazinha? É o universo ensinando. Quando a vida vai acontecendo, ela pode acontecer baixinho: todo o maior mistério do que somos corre é pelas veias, todos os percursos dão  na mesma direção. O coração. O que a gente constrói aqui, pequena, diz respeito ao que faz florir dentro de nós mesmos, mais nada. Se a vida atropelar, Maria, se as cores desaparecerem por algumas noites longas, se chover muito dentro de você, pode continuar acreditando: é só mais um Inverno. A Primavera chega em seguida, mostrando que tudo o que renasce é ainda mais doce do que aquilo que já foi. E daí então a gente recomeça tudo outra vez.

Não esqueça, minha Maria: é muito importante que aprendamos a passar pela vida observando também as emoções do mundo. É na natureza que tudo é natural. Se espelharmos suas vivências, a liberdade de sermos e sentirmos tudo o que somos vira poesia. Todas as estações moram no que você é. Nada mais natural do que vigiar a vida ensinando a (sobre)viver. Meça sua história com uma régua infinita e vista o que qualquer passarinho azulzim te entregar. Se eles sempre cantam o que estão falando, não podem estar errados sobre nada. Música é acerto. Você, minha certeza.

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