E lá fui eu, molhar a pontinha do dedo, mesmo conseguindo enxergar com muita facilidade, desde o terceiro oi, o quanto você é raso. Em meio ao deserto ao qual escolhi me submeter, te encontrar com as mãos em concha me oferecendo um gole d’água foi tentador. Pensei algumas vezes em resistir, enquanto ao mesmo tempo me permitia enrolar nos seus imbróglios. Sim, às vezes escolho a dedo as estradas por onde sei que posso me estragar.
Apesar
do seu vocabulário limitado, do seu jeito cansado e despreparado de me dar
apelidos que recusei, da sua falta de capacidade de desfiar as linhas de
assuntos que delicadamente joguei na roda, das suas cantadas sem criatividade, da
sua caricatura tão perfeitamente hétero
top, do seu jeito de miar em vários telhados, do modo tão estranho, ansioso
e exagerado como se aproximou, deixei que você permanecesse. Voltei atrás em
seguida, só para algumas horas depois te dizer: vem.
O
que vinha daí acendia minhas vontades. Te devolvi faíscas, te engoli em
pensamento. Ouvi seus gemidos pendurados em minhas orelhas, naquela tarde muito
quente onde comecei a enxergar a possibilidade de um evento de você e eu. Ouvi,
repeti, decorei o tom tão grave de quando sua fera explode e você se entrega,
manso, celebrando minha selvageria. Fui sincera em todas as etapas: te queria
apenas por algumas horas. Meu coração, já não tão desarrazoado assim, não
permitia que você viesse sambar aqui dentro, mesmo com sua voz bonita e todos
esses instrumentos de onde saltam sua música. Você não me tocou, boy.
Disse
para que você não se apaixonasse, fui clara em expor meu desapego, mesmo sabendo que não dominamos nada. Sou emocionada,
mas não sempre. Eu chupava os dedos enquanto você me olhava e eu te enxergava do
outro lado, em êxtase, derramando-se. Seus avanços nada sutis liberaram o que
uma quarentena inteira não me permitiu acordar. Você conseguiu: lá estava eu,
disposta a entrar na chama com você. Renasço sempre. Toda essa fumaça presente
nos meus olhos castanhos você não chegou a reparar naquele primeiro dia. Eu
usava máscara, você preferiu me olhar de costas. Ei, e se eu deixasse você
montar em mim depois de tê-lo derrubado em minha cama?
Quando
te disse: vem, mas vem com calma — depois de semanas recheadas de propostas
insanas —, você apareceu. Fazia frio e você me beijou em frente às escadas. Nos
abraçamos enquanto percebi que não sabia a cor dos seus olhos. Qual a cor dos
seus olhos, baby? Qual o tamanho do
seu sorriso? Sua língua dentro da minha boca não dizia nada. Bobagem minha
ousar te pesquisar tanto assim, eu sei. Coisa de poesia, de quem tenta desvendar algum
verso em meio ao improvável. Você gemia e crescia na minha mão enquanto segurava
meu pescoço e enlaçava meus cabelos, me tendo ali, perscrutando seus cheiros,
mordendo sua nuca e controlando todas as minhas reais vontades.
Lamber
seus lábios, mordiscá-los, beijá-los, alternar os nossos fôlegos; tudo isso
acordou em mim coisas preciosas que eu já não sabia mais resgatar. Mas não
consigo lembrar do seu rosto. Quando anunciei baixinho, entre todas aquelas mãos
passeando: pode encostar!, eu já
estava ali, servida. Só precisava esquentar mais um pouco, mas e daí? Você me
encontrou pronto para mergulhar-se em outro alguém que permitiu desaguar-se em suas teias. Por
aqui, me bastou molhar a pontinha do dedo e provar um gole para que decidisse
me preservar, lembra? Desviei. Dessa vez não ignorei nenhum alerta. Ainda assim, poderia
te queimar, com todo esse fogo de um corpo que explodiu termômetros em pleno
inverno. Bastava chegar mais perto, aceso e sem tantos rodeios assim. Cadê o meu
estrago?
Suei para conseguir escrever este texto. Precisava que você me deixasse pelo menos alguns parágrafos. Não são tão bonitos quanto
aqueles que te mostrei e foram relidos tantas vezes por aí, mas são seus. Um alerta. Um pequeno
aviso.
Eu
só queria te desmontar, meu bem.
Já comentei antes, como anonimo no celular, mas vou reafirmar: eu desejo que você me despeça da tua vida assim: desinterassamente e com desejos de eu compreenda a essa missão do teu coração. Amei!
ResponderExcluirDona e proprietária da empresa Talento. Mas, o mais importante, dona e proprietária da sua vida.
ResponderExcluirJaya, você arrasa demais.
O poder e a força dessa mulher...!
ResponderExcluirTexto lindo como sempre, Jaya. Dá um mergulho inteiro a partir de uma """personagem""" que, como dito, é tão rasa (e típica). Engraçado como a poesia conserta muita coisa - ou estraga ou que pede estragos. Também há beleza nos estragos.
Você é sempre certeira.
Obrigada por esse texto!
Um abraço enorme para você.