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Jaya Magalhães

Ei, encosta aqui no meu carinho. Infelizmente ele vai chegar aí assim, meio afastado. Hoje, mais do que sempre, além de escrever, é importante que estas linhas estejam sendo lidas. Quem sabe as palavras se juntem num beijo que te alcance, já que meus lábios não podem fazê-lo. Me escuta?

É, eu sei, nenhum de nós nunca pensou viver em meio ao fim do mundo. Há um ano estamos sendo alertados, só que a maioria nunca levou a sério. O preço está sendo pago. Mas fica tranquilo, não vim aqui para reforçar tudo o que já andamos exaustos de saber e de sentir. Eu quero mesmo é ver se consigo te fazer sorrir em alguma dessas minhas frases desconexas. Meu interesse é só um: que seja leve.

Eu desejo que você acorde amanhã e, mesmo sem poder sair de casa, que você tenha uma janela por onde a vida entre e te faça sentir que o mundo segue acontecendo. Que você aceite as pausas como consequência de um ato nobre, o qual poucos andam tendo o privilégio de participar. Ficar em casa é aceitar-se herói de si mesmo e de um pedaço grande do hoje. Que você aproveite os domingos sem praia e enfeite a mesa do café da manhã para presentear quem divide a clausura ao seu lado. E se você estiver sozinho, que você faça uma chamada de vídeo para aquele amigo que também anda sem plural. Para os seus irmãos, pai, mãe — qualquer família. Mata a saudade tomando um café e contando um caso besta enquanto fazem planos de um churrasco para depois do fim do mundo, quando todos estiverem vacinados. E sorria.

Eu desejo muito que você tenha comida na mesa, amor no coração, quatro paredes para caber o tanto que você é. E se sobrar, que você possa ajudar alguém, nem que seja para entregar esperança junto a um prato cheio que mate a fome de quem só tem o céu para cobrir-se. Desejo que se você tiver um vizinho ou algum conhecido com cabelos de algodão e histórias de alinhavar o ontem, que você passe por debaixo da porta um recado com seu telefone e uma frase de recarregar baterias, oferecendo-se para fazer aquilo que o corpo mais antigo já não pode. Que você reconheça com muita força a sorte que tem de estar vivo. E, caso você tenha perdido alguém para o caos, que o tempo te permita pequenos recomeços. Desejo que você consiga, a todo instante, encontrar alguma poesia para recomeçar. 

Desejo que você receba afagos cotidianos. Uma mensagem que te pergunte se está tudo bem, se você quer conversar sobre isso. Que alguém te envie um bolo de cenoura com cobertura de chocolate. Que você enlouqueça com o episódio daquela série e telefone para comentar com a pessoa que te indicou. Que exista um livro para te consumir. Que você descubra um novo talento enquanto deita no chão e olha para o teto, mesmo que esse talento seja começar uma tabela de contagem de estrelas. Que quando você enlouquecer, não tenha censuras. Que abra um vinho enquanto deixa a panela queimar e xingue caminhando pela casa e resolva jantar sorvete. Que você esteja conseguindo. Tentando. Levantando. Acreditando. E impulsionando alguém a fazer o mesmo. Que você deixe esse alguém saber e sentir que você está aí. E que você esteja. Eu estou.

Eu desejo, como nunca desejei nada antes, que a gente sobreviva a este fim do mundo. E que depois, lá no amanhã, reaprenda a viver. A vida nunca se viu sendo vivida tão errada. Me sobra desejar acertos. Para todos nós.

E amor, sempre.


Março|2021
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Eu achava que nunca mais iria sentar para escrever e direcionar alguma palavra a você. Mas é quarentena, e diante de tanta coisa que vivi nos últimos três anos, mais a terapia pausada nos últimos meses, tenho mergulhado em processos que me ajudam a desfiar algumas questões que me incomodam um pouco na hora de respirar. Venho por isso.

Nós sempre fomos uma história sem fim. Nos despedimos várias vezes, ficamos tempos sem contato algum, mas quando nos encontrávamos era real aquele clichê de que tudo continuava igual. Até que um dia escrevi aquele texto, Apenas o Fim, e deixei você ali, quietinho. Para sempre. Depois daquilo fui reaprendendo a deixar meu coração fazer novos caminhos. Encontrei novas pessoas, vivi algumas histórias. A mais séria delas começou dias antes de você me dizer que estava disposto a fazer com que funcionássemos. Estou relatando porquê preciso dar essa olhada no ontem para ver se chego onde quero, ok? Você finalmente estava disposto, mas eu não conseguia mais acreditar. Tentamos então ser amigos. Logo nós dois, que nunca fomos amigos. Que nos apaixonamos de um jeito inédito e intenso e, por isso mesmo, assustador. Mas eu ia, lembra? Sempre fui, chamei, esperei. É bizarro lembrar que você só se atentou quando eu já não estava mais ali. Tão ridículo, você. 

Então ok, amigos. Só que existia um desconforto, não parecia de verdade. Não parecia natural trocarmos confidências sobre amor e sexo. Eu sentia, e talvez estivesse errada, que precisava deixar você ir. Construir sua vida, me permitir passar. Daí então parei de responder às suas mensagens e e-mails. Somado a isso, vivia um relacionamento onde ficava cada vez mais claro que sua presença incomodava. E tive vergonha de te dizer isso. Porque sabia que não era assim que as coisas funcionavam e porque sabia que você não iria me reconhecer. Existia aquele pacto de estarmos na vida um do outro para sempre, mas fiz uma escolha, por nós dois. Sem pedir sua opinião, como se você fosse mesmo descartável e eu não te enxergasse na minha frente toda vez que Nando cantava Por Onde Andei em algum lugar.

E agora já faz o que? Seis anos? Estou aqui, escrevendo. Porque foi somente aqui, em 2020, que procurei algum sinal de você. Te encontrei, mas fiquei quieta, enquanto agradecia por você estar bem. Corri para comentar com algumas amigas sobre o meu sentimento. Tudo em mim ama você, ainda hoje, tanta coisa depois. Mas aquele amor tranquilo e distraído, sabe? De quem não precisa de nada além de sentir o outro em paz. Tudo em mim conseguiu sorrir e ficar feliz. Uma felicidade quase minha, em notar suas conquistas e construções. Sentir que o tempo te fez esse carinho bom, que a vida se desenhou bonita nas suas horas.

Te escrevo para contar também que as coisas por aqui foram difíceis e loucas, mas que estou bem. Não faço a menor ideia se um dia você vai ler isso. Não sei como você me receberia — se é que me receberia. A vida é outra. Nós somos outros. Mas gostaria de deixar claro que muito em mim é formado de você. Sei que aí é do mesmo jeito, não tem como negar que toda aquela troca não ficou arraigada em quem nos tornamos. E a sorte é toda minha.

Ainda não li aquele livro que você me deu junto a uma carta, no meu último aniversário onde ainda nos falávamos. Guardo os dois. E guardo você. 

Desculpa o silêncio. A ausência. O gesto. Eu ainda lembro dos seus olhos claros sorrindo, Antônio. E desejo que eles tenham todos os motivos para brilharem por aí. 

É sempre com amor.


Agosto|2020
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