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Casual

 

Eu escolhi você porque não tinha tanta gente pra ser meu. 
Vê só que sorte você deu!
Dos males o menor, porque você é o melhor. 
Ou melhor, o menos pior pra escolher.

 (Eu escolhi você – Clarice Falcão)

Hoje, enquanto montava um quebra-cabeças, os devaneios aproveitavam para dançar os minutos. A cada encaixe ou tentativa falha, lá estava eu, pensando em motivos e procurando sentidos. Ultimamente tenho passado muito longe da romantização do ser e estar, mas ainda assim não me distraio e sigo acreditando no que sempre me guiou: todo encontro é mágica.

Mas e esse desencontro, carinho? Essa necessidade violenta de nos comermos, sem que eu nem tivesse tempo para conseguir entender que a coisa mais bonita acabaria sendo o jeito como você sorria, tímido e com alguma marra, balançando e abaixando a cabeça, me fazendo questionar a medida desse erro que decidi acertar em cheio antes de ter a capacidade de inserir qualquer lógica.

Lembra quando você resolveu passear pelas minhas letras e perguntou sobre imbróglios e QI's para beijos? Deixa eu te contar. Imbróglio foi o que você plantou na minha cabeça por uns três dias. Para me beijar, você não precisava de nada além da minha vontade de abrir as pernas.

Sim, poderia ser qualquer um. Mas sendo bem clara: a demanda era menor escolhendo você. Então ali, naquela encenação onde você jogava algumas palavras, tentando me convencer do que eu já havia decidido, eu te entregava letras com algum charme, entre talvezes e quereres. Facilitei, e você saiu sem nem entender o golpe conjunto dessa minha arte leve, longe dos projetos marciais. 

Manipulei e você nem notou. Faço assim, falando baixinho, distraindo um sorriso e mordendo os seus lábios. Basta um improviso e  tudo fica muito fácil. Não por acaso, todos os desencontros que escolhi deitaram para mim em algum momento. Assim fomos nós: alguns drinks na cabeça depois, só precisou uma frase no telefone e você estava liberado para entrar. 

Não pedimos surpresas, sedução, música, frases feitas ou clichês de quem se procura no outro. Nosso interesse era queimar em par enquanto nos acendíamos. Escrevo e tento lembrar do seu cheiro que ficou no meu travesseiro por algumas horas semana passada. Na primeira noite, baby, flutuei. Eu brilhava, mesmo sabendo que o ponto final seria a gramática correta. No entanto, não houve palavra alguma. Porém, ainda assim, você quis voltar.

Só que quando uma terceira pessoa está sambando na roda, meu bem... Gosto do show quando é mais intimista. Meia luz, palavras claras, música de ouvir o avesso e praticidade na hora de ir embora. Em mim? Só funciona se for a dois. Sem mãos dadas, sem poesia, cadeados ou intenções de vir a ser? Sim. O que importava era que havia espaço para o agora, leveza, luz do sol e movimentos instantâneos. Espaço para que eu ficasse divertida e te mostrasse estradas que você nunca cruzou em si. Será que você conseguia enxergar através de todo o tesão que borrava suas retinas?

Minha mente acendia as red flags, velhas conhecidas de toda mulher que vive a insalubridade de lidar com o macho hétero cis. Só que a instabilidade emocional das energias não tão astrais acabou te trazendo de volta para minha cama. Não, não me arrependo. O delivery chegou com tudo o que encomendei naquela segunda noite: beijos molhados, gemidos doces, sussurros de hálitos quentes, sexo e um sono gostoso.

No dia seguinte, todavia, acordamos e éramos três. Eu, você e minha certeza, agora extremamente palpável, de quem não queria passar a limpo todo aquele rascunho. Enquanto conversávamos pela manhã, eu te observava sem piscar, iluminada e muito clara. Foi quando toda a lucidez adormecida começou a me abraçar.

Por que nas trocas de mensagens fui assumindo o papel de palestrinha e elaborava frases nas quais o mínimo era explicado e exigido? Por que produzir questões quando a resposta já estava escrita em todos os seus movimentos? Calma aí, como vim parar aqui? Quem é essa mulher ocupando esse lugar tão errado e apertado? O silêncio me mostrou que a hora certa ainda era aquela, porque era a minha.

De volta ao quebra-cabeças percebi que, às vezes, tentar encaixar as peças erradas, mesmo que entre movimentos involuntários, acaba violando aquela que já está ali, no lugar certo, sabendo exatamente qual lhe completará. Não adianta insistir: até para o casual é necessário saber por onde ir. Você? Engatinhava.

Meu caminho sou eu, carinho. Você jamais poderia alcançar: nenhuma parte me falta.

Comentários

  1. Olha, eu achei muito maravilhoso. Como se a luz entrasse por alguma fresta dançasse por todo o quarto até te atingir em cheio. É essa a iluminação que te acorda, que nos acorda pra vida. Sabe aquela música da Marina Lima, "às vezes eu quero demais e eu nunca sei se eu mereço..."? Então, você merece. E é tão bom se dar conta disso, porque "até para o casual é necessário saber por onde ir". Você voa alto porque há muito tempo aprendeu a pousar. Não é qualquer um que consegue voar ao seu lado.

    Te abraço.

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  2. Você conta para mim várias coisas que sinto / senti e ainda não tinha colocado em palavras. Ler você é sempre um encontro comigo. Mais um texto que me pegou!

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  3. Quando a lucidez se faz presente, tudo se encaixa como um quebra-cabeças. Adorei o texto.

    Jaya, você consegue descrever momentos e sentimentos de forma brilhante.
    Estava com saudade de ler sentimentos pulsando em palavras, ou seja, estava sentindo falta dos teus textos.

    O visual do blog está lindo.

    Beijinhos.

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  4. Desejos se entrelaçando, sentimento orgânico que flui nos gestos. Amar e querer são fetos legítimos de um coração abundante, que gosta de perfurar-se no colo das paixões, se encaixando nos espaços, se preenchendo e completando os pedaços. Tudo é válido quando se tem a alma transbordada de toque, de pele, de fogo. Quando queremos, a gente entra até no menor dos frascos, para perfumar os anseios, e as velhas manias de quem gosta de encontros fortuitos e casuais; apenas para saciar o ímpeto.

    Pode [im]pulsar, que é lindo!!

    Texto lindo, amiga. Saudade de sentir, aqui.
    Beijo.

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  5. Jaya, minha flor baiana que invade meu jardim carioca e lambuza tudo de imaginações certas e incertas, que jorra gotinhas de pensamentos brilhantes. Tipo, como não pensei nisso antes? Tantas vezes em lugares certos que me vi errada, e em outras em lugares errados e me enxergava a perfeição. Sim, aqui também me sinto em casa. puxo a cadeira e tomo um café com sabor de quero mais...e fico esperando os próximos passos...(bora la hein... )
    Os meus passos de felicidade caminham em silencio, devagar, que é pra tristeza nenhuma não escutar e nem querer me seguir. Agora ando assim, cuidadosamente feliz. saudades daqui, moça.
    beijos

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  6. Que 2024 venha cheio de flores, passos leves, sol, mar, mato e que nada impeça de seguir esses passos tão cheios de delicadezas. Salve !

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  7. Amei o ritmo, a poesia, a força do texto. Você arrasa.

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