Entendi os olhos teus, bailarina. Entendi que não era tanto a poesia que te fazia voar naquele palco. Eu sei que a sapatilha machuca os pés enquanto o sorriso se pinta em teu rosto. Sei da tua atuação em outros campos. Ainda assim, eu acredito nos teus vôos. Notei qualquer coisa de porcelana em meio ao teu jeito de boneca. Por vezes me dava a impressão de enxergar uma estátua de vidro. Talvez pela falta de impressões, ou pela fragilidade escancarada. Entendi teus olhos a mendigar outros infinitos. Eu bem via que caminhar nas pontas dos pés já não tinha aquela áurea de pluma de outrora. Não, não te julgo em representações, bailarina. Conheço teus bastidores. Prefiro teu coração. Você tem, não tem?
Ontem passei em frente ao teatro, não teve espetáculo. Fiquei a observar o cartaz com tua fotografia. Você, uma rosa branca, tal qual teu desenho. Você sem jardim. Não sobraram nem os espinhos que lhe serviam de defesa. E as pétalas que eu enxerguei em você, bailarina? Tão alvas! Dava pena imaginá-las a cair. O galho você ainda tem.
O dia do teu último espetáculo antes de partir, foi hoje. Sentei-me na primeira fila, pra continuar a entender os olhos teus. Longe dos holofotes, percebi você a brincar de acreditar na vida através dos olhos do público. Talvez você encontre melhor enfeite assim. Nunca falhas. Acreditando na perfeição utópica da tua ciranda. Rodopia no teu céu, bailarina. Satisfaça teus sonhos. Sonhos você tem, não tem?
Enquanto você escutava o som para marcar teus passos, tornei a decifrar teus olhos d’água. Eles choravam as notas. Essas notas não chegavam aqui, o vento as carregava para o mar. O mar que céu e chão dividem. O mar ao qual você deve pertencer, com esse canto de sereia. Você canta bonito, passarinha. Mesmo quando as palavras saem num sussurro. Música você tem.
Ah, bailarina... Só por hoje, baila por inteiro! Baila de olhos fechados. Flutua em gotas de maciez. E depois, quando desmontar toda essa maquiagem que torna o teu mundo mais suportável, me entrega tua mão. Caminha ao meu lado. Recebe essa lua cheia que preparei pra te desvendar. E se quiser chover pra mim, lembra: eu entendo os teus olhos. Meus braços pra você.
Um pouquinho de amor te falta? Sinto não poder medir. Amor todo mundo tem, não tem? Tem. Só a bailarina que não tem.