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Tradução Lírica do Ininteligível.


Já não sou sem ti senão apenas teu sonho.

[Pablo Neruda]

Olhos tão mendigos de poesias, os teus. De longe, tão perto, parecem me contar do tamanho do mundo - tanto mundo, caminhos. Numa curva, você. Não sei de onde nasceu teu caminhar que rabisca versos no chão por onde passa. Muito me envergonha a vontade de sair catando-os todos. Inevitável abraçar meus pensamentos quando eles resolvem se entranhar na tua ausência-presente. É um estar em mim, igual ou maior que o do poeta. E você sempre me disse que os poetas carregam malas de ilusões. Lembro da crença de que poesia é fingimento. Eu finjo, também.

Na minha mala? Sonhos. Em conta-gotas. Eu sempre deixei pingar aos poucos. Quando te conheci, doses maiores se tornaram recheio, mas resolvi não explicar. Tentei preservar o tom natural do meu olhar que só queria saber de brilhos. Na rede branca na fazenda, contando estrelas, o balançar do você e eu parecia entoar, quase que sussurrando, delírios de um trovador que você não sabia ser. E era. Num improviso, ou em dois.

Gosto quando você me conta do meu riso frouxo e da pose de tresloucada que entrego. Finjo que acredito nas tuas histórias, ao cair da noite, enquanto me faz um cafuné e diz que a lua se move inteira só pra mim. Mal sabe você que consegui enxergá-la em teus olhos, quase num desvario. Dizem que quando se vê os astros, no outro, transtorna-se de amor-maior.

Ainda ontem tentei te escrever. Em pequenas porções de palavras, tive você a granel. Lembrei de mim. Do meu eu, quando na tua presença. Do teu jeito de me fazer parecer alguém que nem sei quem sou. E me embriagava o infinito nessa hora. A proximidade do céu fazia-o parecer meu chão, de tanto querer-bem que me sobrava. Tinha cheiro, também. Mas sempre julguei impossível definir outonos que fazem do inverno uma primavera de veraneios. Coisa mais inefável, o cheiro do teu riso. Puro. Sem malícia.

Voltei à escrita. Eu fui feita sob medida para os carinhos teus. Foi a frase. A única que escrevi naquele papel que implorava carícias. E depois a vida ficou esquecida, como aquele romance aberto que a gente deixa em cima da estante, prometendo uma leitura que nunca acontece. Ainda assim, existia um anelo na escassez de letras. As palavras-doces, engoli todas. Daquela maneira que se engole um copo d’água no meio da noite escura. E na minha sede, te bebi inteiro.

Acordei carregando nos lábios um gosto de beijo apressado. E notei, sem querer, que repousávamos distraídos no mesmo sonho.

- O verde tá aceso. - você disse, abrindo os olhos ao meu lado.

Não apaguei.

Comentários

  1. Eu faria um título diferente: Tradução Inteligível do Lírico. Porque o sentimento se tornou palpável em suas palavras. Contaminou, até. Tão seu, sabe? E eu gosto.

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  2. cada dia eu fico mais sem palavras com seus textos.
    amei!
    =*

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  3. Muito bom.

    Olhos que mendigam poesia e são teus.

    Carinho, querida.

    Muito.

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  4. Eu li como quem fez ou quer fazer parte de uma história assim. Essa sua poesia de romance desvairado, de ebriedade com as palavras, bota a gente meio doido sem saber se ri ou se chora. "E na minha sede, te bebi inteiro." Vê que coisa bonita! rs.

    Você carrega um tom de saudade nas letras, Jaya. Uma saudade com esperança de um vir-a-ser mais feliz do que antes. As imagens que vão cintilando na mente da personagem de repente se personificam na pessoa daquele que abre os olhos, ao lado. É como sonhar acordado. Tem mágica. Bonito incomparável.

    Beijo!

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  5. Essa sua forma de descrever a simplicidade, a doçura, carinhos e beijos em palavras é apaixonante e agonizante. Apaixonante porque nos faz caminhar sobre e sob tuas letras, desejosos que contos como esse nos encontrem. Ou encontremos eles.

    Agonizante porque, mesmo sobre e sob tuas letras, sabemos que logo ali na frente tem um ponto, final, quem sabe. E dói.

    Olhos tãos ricos de poesias, os teus.

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  6. " Lembrei de mim. Do meu eu, quando na tua presença. Do teu jeito de me fazer parecer alguém que nem sei quem sou."

    P-E-R-F-E-I-T-O

    Pura doçura de se ler, me embriago com suas letras. E nem me importo de sair por aí, bêbada de você. Saudades dessa Jaya que transborda de poesia.

    Te beijo Flor.

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  7. Fi-nal-men-te um texto...ufa!
    Já num tava aguentando de saudade do teu lirismo que me encanta.
    "Não sei de onde nasceu teu caminhar que rabisca versos no chão por onde passa. Muito me envergonha a vontade de sair catando-os. Todos."
    Te adoro, flor!
    Beijo, beijo, beijo!

    PS.> E a nossa conversa (que tá no forninho, esperando acontecer), sai quando?

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  8. Hummmmmmmm...
    Já disse como me encanta tuas brincadeiras com as palavras e seus sentidos, né?
    Nossa!

    "E depois a vida ficou esquecida, como aquele romance aberto que a gente deixa em cima da estante, prometendo uma leitura que nunca acontece"

    "As palavras-doces, engoli todas. Daquela maneira que se engole um copo d’água no meio da noite escura. E na minha sede, te bebi inteiro."

    O que é isso, minha gente? Eu queria estar nessa história, ser personagem dessa história, conseguir escrever uma história assim...nossa.

    Orgulho de ser tua leitora. Orgulho demais. E de receber notícias suas.

    Beijos, linda.

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  9. E eu começei a ler, e fui lendo e, quando cheguei ao fim ainda queria continuar... O jeito que escreves é sempre tão suave que eu nunca quero que acabe, pra não precisar parar de ler...

    Tão doce... Um sonho tão mágico...

    Beijão pra tu moçinha!

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  10. Ah, Jaya, voc~e continua fazendo seus versos em prosa, e eu continuo aqui como seu fã, lendo e me deliciando com essas suas palavras. Gostei da parte do trovador, do coração branco.

    Tudo lindo como sempre, Jaya, você é uma artista das letras, uma escritora de mão cheia, que só faz coisa linda quando senta para escrever.

    Lindo o seu texto.

    Um grande abraço,
    Átila Siqueira.

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  11. Jaya, ás vezes acho que vc consegue sentir tudo que escreve..e fico aqui pensando cm ainda n senti tudo isso antes?...
    seu texto transborda amor, poesia..canção, e eu mal consigo viver isso tudo, quem dirá escrever tão bem qnt vc.
    =]

    flores.

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  12. ...que o ininteligível permaneça assim, ininteligível, já que apenas desse modo permite, apenas através do lirismo que tu consegues, jaya querida, transbordar de poesia uma-e-mil traduções de beleza... e que o verde esteja para sempre aceso; pra ti, pra todos nós... um bju

    =D

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  13. dôcedê-.
    eu te vejo longe. uma daquelas apaixonadas antigas, enfiadas num espartilho, a olhar pela janela.
    uma mulher apressada que entra numa calça e num tênis, amarra o cabelo num gesto apressado e faz morrer deamor três sujeitos no metrô (enquanto come uma maçã.)
    te vejo numa qualquer, de vestido chulo e delicioso, vadiando, feito gato.

    eu, te vejo feito uma poetiza que mora e corpo-alma de ULTRAmulher.

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  14. Que coisa linda, gostosa de se ler, quanta ternura, dedicação, quanto coração em sangue corre nas palavras...

    Lindo, lindo, lindo...

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  15. Jaya!!

    Voltei, e claro, vim te ver.

    E matar a saudade desta tua poesia que escorre da alma...
    Belo texto.

    Beijo!

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  16. o verde abre nossos olhos, e nos mostra a beleza da vida...

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  17. Minha nossa. É só quando eu me ausento destes territórios jayísticos, que me dou conta - cada vez que leio algo teu, preciso me adaptar. É como se eu tivesse de reorganizar meu ser, adaptado às coisas comuns e banais, das pessoas comuns & banais do dia a dia, para um outro nível de sensibilidade. Acho simplesmente incrível... gostaria de poder sentir isso o tepo todo, mas ter essa sensação maravilhosa quando visito o Líricas já me deixa satisfeito pela semana.

    Adoro!!!

    Beijaya!!!!!!!!!!!!!!

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  18. já fazia um tempinho que não passava por aqui ... vi teu comentário no blog da Flavinha e resolvi te visitar de novo ...

    continuas com um texto delicioso de se ler, tão bem escrito, tão bonito ... de dar gosto ...

    adorei o final, muito bem bolado ... me lembrou bons e deliciosos apagões no meio do dia ... rsss

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  19. 'Eu fui feita sob medida para os carinhos teus.'

    Parei aqui, estou a pensar.
    No seu pensar, na minha vida.

    Ow Jaya, lindo;

    Beijos.

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  20. Loucura deliciosa. Um texto daqueles onde a gente se perde e não fazemos questão alguma de nos reencontrarmos. Se fosse possível, moraríamos para sempre dentro dele. Ótimo!

    Beijos se você for de beijo.
    Abraço se você for de abraço. rs

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  21. Definitivamente não há. Olha Jaya, fico louco me perguntando se há maior doçura na terra do que as suas palavras. Gente, porque vir aqui e se deparar com essas linhs floridas de sensações, de experiências e de líricas paixões é um prazer de tamanho infindável.

    Inacreditável é essa tua forma de encantar, de se fazer bela sem mesmo inteiramente estar. Maravilhoso. Porque quando te leio coisas boas surgem aqui no cantinho esquerdo do meu peito.
    E pode ter certeza, uma delas é um sorriso intenso de alegria por ler coisa tão cheia de ternura.

    ai ai.
    Te adoro minha cara. E continuando assim, escrevendo tão bem, tu só aumenta mais ainda o que sinto por ti. Porque amizade assim a gente não guarda apenas no peito, mas eterniza nas estrelas que iluminam o nosso céu.

    Obrigado por confortar a minha vida viu.

    Beijos
    se cuida viu minha querida.
    Te quero bem
    ;)

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  22. Jaya, flor.

    Lindo isso.
    Feito com amor.
    ;**

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  23. tão lindo... tão simples e lindo. adoro o que vc escreve sempre!
    beijo!

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  24. Ah, eu sou dessas que sai catando versos rabiscados no chão, sem vergonha de deitar os olhos sobre eles e de de estender as mãos para fazê-los meus... é o que faço aqui, com as letras que você escreve.

    Você é um encanto.

    Bem vinda por lá, menina. E não agradeça não pelas palavras doces, doce é o que transborda por aqui e que você compartilha sem medida.

    beijomeu :)

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  25. Jaya, querida.

    É tão bom te ler, que acabo ficando meio encabulada, sem ter o que dizer, de tão bonito que é. De tão profundo se faz.
    "Do teu jeito de me fazer parecer alguém que nem sei quem sou." É sempre assim, Infinitivamente assim. Sou assim. E que bom que ainda é assim. Não teria mais razão se não o fosse.

    E vc, cada vez melhor. Cada vez mais contagiante. Eu me contagio, nesta tua tradução lirica.

    Meu beijo, sempre.

    E obrigada pelo teus passos lá. Me faz um bem danado.

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  26. Sabia que eu também ando enchendo a minha mala de Sonhos? É, com "S" maiúsculo, assim. Sonhos. Em conta gotas, também. É o mínimo que posso fazer em meio a tanta obscuridade...

    Depois da minha última carta de amor ter sido acidentalmente molhada, Jaya, com água fria, eu tenho recolhido forças para escrever uma outra. Mas falta papel, falta tinta, falta disposição. De modo que estou à espera de algum par de olhos de ressaca que me encantem. Ou papel, entende?

    E já que falei dos olhos de ressaca, o elogio hoje fica por conta de José Dias, diretamente de Dom Casmurro, com um superlativo à altura do texto: belíssimo. :)

    Agora, dá licença, Jaya. Que a sede do teu eu-lírico acabou me dando sede também. ¬¬

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  27. que blog lindo=)
    foi o melhor que já vi
    adorei=)
    já te linkei=)

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  28. poesia em prosa, se é que posso chamar assim... cheia de versos brancos que não precisam nunca rimar pra fazer sentido.

    Aliás, rimas são previsíveis demais e não gosto do previsível.
    gosto de textos assim.

    =)

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  29. Menina... fiquei horas meditando no que seriam e como seriam e o que sentiam olhos mendigos de poesia... perdi-me em pensamentos.
    Depois fiquei pensando no "fui feita sob medida para os carinhos teus", que frase TUDO! preciso pedir licença a vc pra dizer essa frase a um certo alguém! =)
    Texto fantástico! Adorei!
    Beijo grande pra ti!

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  30. Jaya
    Sem sombra de dúvida> você escreve verdadeiramente bem!
    Lindo.

    Beijos

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  31. Jaya, você escreve cada texto, expõe cada situação.. Adorei esse texto tão seu :)
    baci .

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  32. No meio dessa noite, bebo inteiras essas suas palavras doces, Jaya!
    Bjooooooooo!!!!!!!!!

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  33. 33 comentários de elogios, e aqui no 34 só cabem essas palavras: me agrada muito vir aqui. Nesse seu espaço, nas suas palavras. Escreve tão bem que até nos comentários que você deixa no meu blog você mostra respirar poesia. Gosto muito mesmo!

    Grande beijo,
    Flávia Martinelli

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  34. Dá licença, faz favor, que eu quero ler mais por aqui? Neeeeem... chatice!

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  35. nossa, Jaya, que lindo!!!

    muito bem escrito! adorei o fim :o)

    parabéns, poético sem ser açucarado

    beijos

    MM.

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  36. É lindo, Jaya. Nem dá pra comentar nada. O texto acaba naquele ponto final, mas a sensação do coração que contempla o belo permanece mesmo depois de fechar a página. Lindo! De verdade.

    Cadê a novidade?!?!
    Tô esperando com ansiedade.

    Beijo

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  37. Parece que é consenso geral que isso aqui é bom demais, né? rs

    Pois então vou dizer o que tomei pra mim dessa vez: "em pequenas porções de palavras, tive você, a granel. Lembrei de mim. Do meu eu, quando na tua presença. Do teu jeito de me fazer parecer alguém que nem sei quem sou."

    Posso começar uma carta assim? Prometo citar a fonte, prometo! É que eu mesmo não conseguiria uma tradução tão boa...

    Beijo!

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  38. e, no fim das contas, só aparecemos para isso:

    besos!

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  39. Como sempre palavras bem colocadas que fazem seus textos ficarem maravilhosos...
    Ando tão sem tempo, mas pras coisas boas sempre dá pra burlar os compromissos e correr pra ler palavras de tal bom gosto quanto as suas.
    Eu como boa admiradora de tudo o que escrevi apareci né??

    Um super beijo menina!

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  40. ai meu deus, que coisa maravilhosa!
    essa coisa do verde aceso. e você não apagar. isso foi a coisa mais linda e inteligente que já li.
    e hoje eu tô querendo mesmo ver uito verde aceso. e me acender junto com eles todos.

    Lindo, como tudo aqui!

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