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Jaya Magalhães

Deixa eu dançar, pro meu corpo ficar odara
Minha cara, minha cuca ficar odara
Deixa eu cantar, que é pro mundo ficar odara
Pra ficar tudo joia rara
Qualquer coisa que se sonhara
Canto e danço que dara.
[Odara - Caetano Veloso]

Eu gosto de barulho bonito, poeta. Aquela maneira engraçada, que puxa a gente para um samba e o corpo dança no meio daquela roda. Saia rodada, pés descalços, flor nos cabelos. Tudo que rodopia enquanto a alma se arrepia. E todas aquelas mulheres cheias de histórias contando poesia nas escadarias do Pelourinho. Brincos nas orelhas, colares mágicos, cheiro de jasmim. E cada um dos nós que guardam pedidos naquelas fitinhas de Nosso Senhor do Bonfim acabam se perdendo quando a alegria escapa sapeca ao ver o coração ecoar sua música pelos pulsos.

Tem raízes, sombras, e meus cabelos se trançam desritmados pelas mãos de uma moça de sorriso insuportavelmente bem feito. Caminho esquecida por toda aquela rua de pedra, me afogando em um amor tão grande que, por não saber mais virar curvas, entrou no mar e se fez infinito. Por isso o sigo. Persigo. Amor que me lambe, fazendo doces todos os meus músculos. Tambores batucam nos meus olhos. Meu corpo inteiro grita tragédias, sem nem saber que é apenas mais um romance que se enovela a partir dos meus quadris.

Linda, cambaleante, solta, gosto de amor feito na rede. Transpiro, multicores, enlaçando sonhos naquela fita amarela que mede todo o não-sentido em minha cintura. A noite se abre em meus seios deixando escorrer mil e duzentos absurdos que rastejam sem norte. A lua e a estrela que moram em meu anel de pedras verdes desenham a Bahia nas palmas das minhas mãos. Salva(a)dor. Tudo rima em minha pele vigiada pelo sol. Tudo rima com o nada.

E quando a gente senta, o indizível começa a escorrer pelas calhas, como se chovesse excesso de querer-bem. Todo mundo traz em si aquela coisa que só parece caber em cartões postais e denuncia em cada milímetro toda essa mistura rubra que exalta a maneira mais diversificada de felicidade. Todas as falas cantam. Todos os abraços cabem nos meus.

Muito amor demais, é o que tem para hoje. O que acontece, aqui? Vida. Eu, acontecendo, a-bun-dan-te-men-te, sentada na calçada debaixo do pé de espatódea que peca pelo excesso de cor. Nessa hora, o barroco inadiável chega e vivo épocas que remontam essa minha certeza de que nasci para morrer de amores. E dói, dói, dói tanto, que eu sorrio. Sorrio flores, anunciando a primavera despetalada em minhas entranhas.

Areia de praia, coqueiros, cravo, canela, mãos ao queixo, tudo enquanto espero você, poeta, para desencantar toda essa euforia, antes que eu vire estátua nas bordas do mar, eternamente a contrabandear seu azul.

Amanhã São Jorge prepara a lua cheia e eu seguro o céu, rainha de mim mesma, enlouquecendo de saudades e enterrando o acúmulo de lucidez extraviada. Leva esse axé para o mundo, poeta. Um gerânio no meu sangramento e todo esse barato ausente de coordenação, é o que me preserva.

Insisto no que é lindo.
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Enquanto o tempo for.

Quando encontrei esse moço, ele reclamava de não ter um coração. Sorri. Sempre sorrio em primeiros diálogos, uma maneira de contrastar minha mudez e fazer com que qualquer fresta distraída do céu da minha boca seja reflexo de um afago tímido. Era um fevereiro e eu ainda estava impregnada pelo infinito do mar em meus olhos castanhos. Lembrei de tentar fotografar aquilo tudo, mas mesmo a câmera ficou encabulada com o que sua lente não sabia revelar. Tudo tão, tão azul.

Caminhamos lado a lado e tomamos o mesmo trem. Alguém que observasse diria estarmos compondo nosso futuro relicário, guardando em cada piscar de olhos um pedaço da eternidade que viria. Os cílios emolduravam em nós firmes todas as certezas duvidosas. Nos guardávamos em, sem nem ao menos sabermos. Primeiras impressões, enquanto perdíamos um vocabulário inteiro para dar lugar ao silêncio que sintonizava frequências cardíacas ensandecidas. Era dança.

Eu passando as mãos nos cabelos, ele arrumando os óculos. Falamos do que era antigo. Do tempo em que as cartas eram fechadas com a língua, onde pegar na mão era permitido - e só, e o namoro no portão era uma vitória. Não era época onde coubéssemos, como agora, havendo embarcado para uma viagem com bilhetes instantâneos que não foram preenchidos com destinos.

Algum tempo e já éramos falantes, gesticulando, cheios de luz. Nossas risadas se fundiam, sustenidas. Ele me tomou a mão, dizendo ver miragens, enquanto fazia leitura de tudo que riscava aquele encontro distraído. Sem querer, enquanto trazia minhas mãos de volta, toquei o bolso esquerdo do seu casaco e seu coração pulou entre meus dedos. Se encaixou como se tivesse nascido para estar ali, apesar das asas.

Quando me perguntou o que eu enxergava, não contei do espelho. Disse-lhe uns versos de Bandeira. O coração desse moço tinha o fogo de constelações extintas há milênios. E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes. E era inevitável não notar minha imagem ali dentro, espelhando.

Era verão. Veio o outonoinvernoprimavera. Fomos todas as estações. Brigamos por motivos sérios, motivos bobos, pensamos haver nos perdido para sempre, voltamos, brigamos só para fazer as pazes, paramos de brigar. Passeamos de mãos dadas, abraçados, ensimesmados. Eu andava na frente, ele atrás. Eu corria, ele corria. Sentamos na grama, deitamos na grama para olhar estrelas. Fugimos da chuva, ouvimos suas notas sentados à varanda. Fizemos mimetismos de amor, eu quis lhe fazer surpresas - mas acabava contando tudo antes da hora. Saímos à noite, à tarde, de manhã. Afundei o pé numa poça de lama, ele sorriu. Ele tropeçou na escada, eu sorri. Reclamei da comida, ele reclamou do tempo. Fizemos planos, acordamos em nossos sonhos. Acordamos com sede, atravessamos a casa de madrugada e bebemos belezas sortidas. Escalas. Eusemprefuisódevocêsemprefoisódemim. E viajar.

E quanto delírio me sobra por ter o sorriso desse moço dentro em minha boca. Corações em mãos, naquele fevereiro, e a proposta: ambos ecoando, hoje, no peito que melhor lhes coube. Sem licenças e todos os acordos gravados. Coisa de laços que fixam residências, espalhando aquele cheiro de tudo que ainda vai brotar.

Outro dia, era agosto e naquele bolso esquerdo do casaco que um dia me embrulhou, dobrei um bilhete. Em branco. Quando seus olhos passearam ali, esse moço soube ler meu infinito lhe sendo entregue.

Não descemos do trem. A vida quem leva. 
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E quando você me envolver
nos seus braços serenos
eu vou me render.

[Ligia - Tom Jobim]

Porque nos encontraríamos, pedi que a cidade se acendesse. Você sempre com esse copo na mão e toda essa fumaça misturada ao tom de quem carrega o mundo consigo. E chora no escuro enquanto eu te observo, sem entender, sem te entender. Coisa de gente como a gente, que nasceu para sentir demais. Ser demais. Ser excesso. Que se derrama e deixa tudo escorrer para a vida. Deixemos.

É domingo e nossa mesa reservada de sempre já parece guardar as histórias de cada sorriso que escapou por entre nossos lábios. O clima é outro, mas os ecos de suspiros atrasados me lembram o dia em que quis te tomar emprestado para mim, aqui. Sem nem marcar devolução. Te tomar do mundo e te dever a ele. Culpa do teu violão e das palavras que me provocavam. Até então eu não sabia do bom de ser folha em branco para poesias dessas que costuram cicatrizes, e que, enquanto fechavam feridas, guardaram sopros da tua essência. Você se perdeu em mim e eu me encontrei, aí.

Hoje eu chego enquanto você ensaia ao piano. Toca de olhos fechados, sem cantarolar com tua vozinha de sono. Ao me ver chegar, faz silêncio e vem ao meu encontro. Não entendo o vermelho do lugar e não gosto do silêncio que você sempre teima em escutar detalhadamente. É como se mesmo envolta em meu vestido verde, toda a nudez do amor fosse latente aos teus ouvidos. E você me observa tão de perto, como se tuas pálpebras piscassem em minha retina. Engulo flores e beijo a harmonia em tua boca.

Algumas coisas simplesmente teimam em viver, eu penso. E o bar ainda vazio parece fazer de tudo um filme. Porque sempre gostamos de bossa. Compramos ações na bolsa de amores, pagamos para ver e o mercado sabe continuar em alta. E o silêncio de agora? Eu, estranhamente gelada. Lembro de uma noite, das nossas primeiras, onde você disse que um copo de uma bebida quente faria evaporar minhas dores. Estranhamente, hoje é você quem me lateja.

As pessoas começam a chegar, cumprimentam você, a mim, as mesas são preenchidas, as garrafas desfilam, as emoções destilam, você vai para o palco. De lá, me pega no colo com os olhos, mania da qual não sabe se desfazer. Desvio minha atenção para a taça, como se o vinho me dissesse verdades improváveis. Degusto. Tem teu gosto. Teu piano. ViniciusToquinhoTomChico. Todas as mulheres. Os outros te aplaudem em meio à minha inércia. Queima uma estrela em minha mão.

Esses quadros nas paredes com fotografias de músicos, essas luzes coloridas, esse cheiro louco de cigarro: tudo parece ser tocado por ternurinhas frágeis. Mentirinhas apaixonadas que enfeitam as primeiras declarações incertas. E o dia virando, o garçom já emborcado sobre o balcão, você e o piano sendo o sambinha feito de uma nota só e as cinzas das horas querendo transformar em pó minha vontade de estar.

Sentir às vezes não cabe. Nós, às vezes achamos bonito caber no amar ou numa palavra qualquer que dê ideia de certeza ao nosso vínculo de morada em. Tudo é sempre mais. E enquanto não sou do presente, você vem caminhando até mim. Som de flauta, cavaquinho e azul. As portas se fecham e nós dois, lá fora, encerramos um abraço-soneto que recebe o setembro primaveril em nossos laços. Um nó.

Do outro lado da rua, o mar todo grávido de uma lua cheia. Você, me tendo tão mais perto, despeja com vozinha de sono, doce:

- Esqueci no piano as bobagens de amor que eu iria dizer...

E você não sabe, meu bem, que todo o meu medo mora em teus olhos.
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"Em um pulso, o sol; no outro, a lua: as mãos são feitas de céu." [Kerouac, J.]

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