Estou te amando muito nesse momento.
Foi o espelho, é essa lucidez, você me mandando beijos soltos que pousam onde bem entendem, notícias, essa minha mania de nunca ser exata. Levantei com umas tendências que nem eram minhas, e olhei meus olhos a fundo. Me vi, através. Comecei a ler meus pontilhados de uma maneira tão avançada, cara. Meu rosto ali, tomado por lembranças tuas. Coisas astrais. Já faz um ano.
Em nós, você e eu, as coisas foram acontecendo aos pouquinhos. Muitos, muitos pouquinhos. O canto de Ossanha e meu desinteresse por Vinicius, sobriedade, discursos, a praia. Joguei infinitos conceitos para o alto porque só tua boca me interessava. Nunca havíamos amado. O fato é que tudo se perde muito rápido. Nós nos perdemos lentamente. Tudo é passado e amanhã não tem mais nada. Daqui mais um tempo, miragens. Porra, sabe? Tem coisa que pesa. Pesa mais ainda em mim, uma viciada nessa coisa de parasempre. Quanta dificuldade, quanta.
Estou fumando. É, voltei a fumar. Pensei em você com mais força, agora. Não penso em você sempre. Muitas vezes é só balançar a cabeça e você vai embora. Acontece sem preparos. Outras vezes, um incêndio sacana surge, e eu não apago. As chamas sempre me fazem entrar em erupção. Violo todos os nossos pactos realizados tacitamente. É uma angústia, um incenso, cheiro de álcool, suor. Eu não sei mais chorar e aprendi que existem flores para todos os instantes. Hoje uso gerânios.
Te escrevo porque é noite, está quente e me convém. Ando íntima de pessoas tão perversas, Leo. Faço barulho, berro de prazer e dou dentadas em pedacinhos de vida. Tenho conversado com tanta gente, tenho me sentido tão longe de todo mundo. Ninguém me traduz. Virei um deserto e nada mata minha sede. Gente demais me dá um silêncio, cara. Pra agora, eu só queria quê. Conversas baixinhas, brincadeiras com minhas mãos, uma sacudida com qualquer filosofia fodida, dilacerada, porque a poesia já acabou faz tempo.
Ontem arranquei coisa pra caramba aqui de dentro. Com minhas unhas, mesmo. Te liguei e fiquei muda, de repente. Em minha voz não coube o excesso de palavras. Ela despenca ao te ouvir, antes de ser entregue. E se de repente eu te escuto, vou para a rua. Você me leva. Atraso passos, te imaginando na esquina seguinte. Batuco músicas com os dedos, sentada à mesa, enquanto meu coração pulsa teus passos inexistentes. Sinto teu cheiro pelo corredor. Quinto andar. Você sorriria ao me ver assim, vestida de mim, e só. Ninguém sabe me traçar com os olhos como você faz.
Já é tarde e eu estava precisando sentir. Sentir. Sentir tudo. O poeta disse: é preciso estar sempre embriagado. É preciso, sim. Embriagado de vinho, vida ou um sorriso teu. Porque por um instante eu perco o medo de me entregar. De ser. E penso que o amor é essa coisa assim, que tomam de você a vida inteira. E sempre vai ter. Sempre tanto. Tanto. É como quando você me deu aquele último abraço e eu me descobri cheia de corações. Seria impossível tamanho rebuliço por conta de um só pulsar. Eu tenho um coração em cada canto. Um acúmulo bonito de coisas que não consigo nem mostrar.
Te escrevo porque, caminhando, vi uma coisa desse jeitinho, todinha azul, completamente blue e lembrei de você. Pessoas sorrindo, um amor acontecendo em algum lugar. E quando o relógio anunciar as duas horas da madrugada, eu escrevo mais uma taça e saio daqui poema.
Eu quero muito ser feliz, cara. Com ou sem toda essa nossa simbiose monstra. A vida é muito mais barra sem você, constato. Te envio então esses meus recortes de um decalque quase-romântico. E te escrevo porque sempre haveremos de ser necessários.
Que todas aquelas coisas lindas te aconteçam,
Isabela.
Isabela.
P.S.: Continuo a andar descalça. Acredito que amanhã vai ser um dia bom e vou fazer muita gente feliz. Gastar amor. Quebrar a cara. Let it bleed.