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Jaya Magalhães



Na minha escrita o amor vive à vontade. Na minha casa também. Em mim, o amor só vive; mas nunca vive só. É um abraço cheio de laços. Ele é a minha maior intimidade. Na minha cama, o amor nunca dorme, se espalha. Quando eu conto uma história ele faz tanta confusão entre meus lábios que é inevitável não sorrir. E vez ou outra, quando encontra as saudades ou as angústias de tanta vida que se vive, me molha o rosto, grudando meus cílios que se afobam como passarinhos na chuva – mas, logo depois, tal como os passarinhos, no bater de asas das pálpebras já se voa para o infinito. Amor não tem tamanho.

Em todos os parágrafos da minha vida, o amor é reticente. Todas as minhas páginas são monotemáticas. Toda a minha negação e tentativa de evitar que ele se derrame em minhas linhas são inúteis, ele se joga nas minhas vírgulas com tanta intensidade que até mesmo no disfarce mais perfeito enxerga-se seu gesto excessivamente azul na minha caneta que pinta a folha branca. Azul e branco: amor é céu.

O amor é a única porta por onde aprendi a entrar. Chego abrindo as janelas com muita brandura, que é para caber mais e sempre. Nas minhas letras miúdas o amor escolheu descansar. E se eu escrevo pequeno assim é para dar espaço aos seus suspiros e manhas. Eu nasci amando e ainda nem tinha escolhido sentir. O amor me traduz a cada nova frase, descomplicando ou complicando demais. Aprendemos assim. Quando não encontro o que dizer, invento palavras. Amar permite.

Escrevo o amor, sem pretensões. É como o traço de um pintor em suas aquarelas: reconhece-se. Em cada novo texto, já de início nota-se: mais uma de amor. Nos meus riscos tortos o amor nunca pediu retidão. Ele salta dos meus olhos escuros quando pisco em cima do papel, ele ensina meus dedos a dançarem sua poesia, ele mora em tudo o que verte do meu lado de dentro. Anos atrás, quando rabisquei meu nome pela primeira vez, eu já escrevia sobre o amor.

Escrevo sobre o amor porque às vezes não tem mais tanto espaço aqui dentro, em meio às delícias de sentir demasiadamente. As palavras, eternas extensões, passam então a me abrigar. E não existe maior afago do que conseguir fazer caber em letras as coisas mais bonitas que reconheço no que sou. O amor, mais do que crescer junto comigo, cresceu em mim.

Desde que descobri que mudando uma letra o amor podia virar verbo, passei a conjugá-lo. Encontrei um plural onde escolhi me singularizar e hoje me alimento de um amor tão grande que mal cabe num poema. E continuo a escrevê-lo, com todas as licenças, pensando em livros inteiros. O amor agora tem até cheiro, esse que fica ali, toda noite me esperando, entre aquele pescoço e aquela nuca onde respiro todos os versos mais diletos que ainda não fiz.

No meu amor, a escrita vive à vontade. Demora, se esconde, avisa que vai voltar e tira férias. Quando aparece, vem misteriosa em suas entrelinhas. Monotemáticas. E precisa explicação? No dia em que me deram meu primeiro lápis, eu não sabia escrever. Algum tempo depois, eu ainda não sabia escrever, mas já desenhava um coração. Talvez seja até aqui o único desenho que faço e que alguém reconhece de imediato. Um coração. Linguagem universal.


Eu primeiro desenhei o amor, para só depois (d)escrevê-lo. 
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