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Jaya Magalhães


Dezenove de março, começo da noite, penúltimo dia de verão, renasci. Trinta anos. 

Aos quatro já sabia ler e escrever e sonhava os trinta anos de um jeito enfeitado. Queria crescer e ser igual a uma amiga de faculdade da minha mãe: cabelos pretos sempre soltos e expansivos, batom sempre vermelho e muitas pulseiras nos braços que faziam um barulho que muito me agradava e deixava hipnotizada por ela. Ana. Aos quatro, eu seria Ana aos trinta, e andava sempre com muitos anéis nos dedos e um estojo de maquiagem sendo carregado por onde ia. Aos quatro, às vezes acompanhava minha mãe na faculdade e me imaginava Bióloga, como ela, aos trinta. E obviamente queria logo ter trinta anos para poder usar calça jeans e fazer todas aquelas hidratações nos cabelos.

Aos dez, os trinta eram sonhados com muita graça, ao olhar meus pais, cada um com sua família. Aos dez, pensava que os trinta me trariam muita maquiagem e salto alto e uma vida corrida entre filhos e marido e trabalho intenso. Aos dez, pensava que aos trinta teria minha casa própria, um carro e faria viagens para visitar meus irmãos em todos os feriados. Aos dez, nos trinta eu seria Engenheira Agrônoma, para usar os livros do meu pai e da minha madrasta e falar muito sobre tudo o que sempre ouvia os dois falando, mas principalmente para plantar e fotografar todas aquelas folhas de sempre no campo. Aos dez, minha vida aos trinta já estaria completamente resolvida.

Aos quinze queria fazer Psicologia, Jornalismo e Letras, mas não amava mesmo nenhum. Só queria poder escrever. Aos quinze queria poder ter uma prévia dos trinta me mostrando como seria caso escolhesse uma dessas profissões. Aos quinze imaginava os trinta como um lugar onde eu saberia tudo o que precisasse. Aos quinze falava sobre os trinta com muita empolgação, seria independente, moraria sozinha num apartamento pequeno com muitas almofadas e um aparelho de som muito caro, e as paredes todas seriam uma estante com os meus muitos livros infinitos que já estariam sem onde caber. Aos quinze não imaginava os trinta com amor, mas seria experiente e teria uns dois namorados, porque casamento sempre pareceu mesmo dar muito trabalho e a vida já havia me apresentado alguns traumas.

Aos vinte e um fui feliz e me quebrei muito emocionalmente, ao mesmo tempo. Aos vinte e um não tinha mais jeito de sonhar uma profissão: um diploma inesperado estava quase me abraçando. Aos vinte e um já sabia o que seria aos trinta. Aos vinte e um, teria trinta com um mestrado e um concurso público e poderia viajar muito para a Itália, sempre que desse vontade. Aos vinte e um achava que aos trinta moraríamos juntos eu e Éden e a gente teria um lugar muito alternativo, colorido e massa. Aos vinte e um comecei a beber nos barzinhos e em festinhas e achava cerveja uma coisa boa pra caralho, mas não gostava de vinho. Aos vinte e um achava que aos trinta já gostaria muito de vinho, porque vinho e trinta anos parecia ser uma combinação perfeita.

Aos vinte e cinco descobri minha liberdade de ser, e sabia que teria muito mais asas aos trinta. Aos vinte e cinco me amei absurdamente, brilhando muito, já sabia que aos trinta minha luz seria imensa, intensa. Aos vinte e cinco a profissão se definiu oficialmente, por causa de um pedaço de plástico com minha foto: Advogada. Aos vinte e cinco sabia que aos trinta talvez estivesse sempre no TRT com uma pilha de Reclamações nas costas. Aos vinte e cinco não queria ainda saber de amor, completamente conformada com casualidades e vazios. Aos vinte e cinco conheci Namorado, mas eu só queria mesmo uma noite bonita e não teria espaço pra ele nos trinta. Aos vinte e cinco ir para o boteco era sempre o instante de maior poesia para a vida, e sabia que aos trinta já teria conhecido muito mais botecos e marcas de cerveja muito boas. Aos vinte e cinco uma editora apareceu no meu caminho me oferecendo uma oportunidade muito bonita, aí então publiquei meu primeiro livro, sabendo que aos trinta iria me arrepender disso. Aos vinte e cinco achava que os trinta demorariam muito mais pra chegar, porque com vinte e cinco eu não estava ainda sabendo de tudo e faltava pouco tempo para ser essa criatura tão sábia, como devem ser todas as criaturas de trinta.

Aos trinta, nunca usei batom vermelho e penduricalhos demais me irritam. Mas uso muito jeans, assim como minha mãe fazia. No entanto, tenho preferido vestidos. Aos trinta, um salto no pé é raridade, elegância é conforto e não aparência – amo sapatilhas e tenho um all star branco. Aos trinta todo mundo fala muito em ter. Matéria. Tenho muito pouco, mas sinto um tanto. Meus livros vão muito bem, Gabo ainda é o preferido, a coleção aumentou e ao contrário do que previ aos vinte e cinco, aos trinta o que brota é um novo livro meu, sem arrependimento algum. Eu não tenho um apartamento, moro em duas cidades. Não tenho um carro, ando muito de ônibus, mas principalmente a pé. Não tenho tantas mobílias assim, mas acabamos de comprar um sofá para deixar a casa com mais cara de ninho, porque o que importa para mim e para ele é o conforto de nos aconchegarmos em nós mesmos.

Aos trinta não sou mãe, quem sabe aos trinta e cinco? Ser tia é uma doçura. E sou. Aos trinta todo mundo me olha e fala da minha aparência física desses eternos vinte anos. Agradeço. Os trinta realmente não me pesam quase nada no corpo físico. Não me pesam em canto nenhum. A engrenagem não para. Aquelas asas de idades atrás são motivos de voos constantes. Aos trinta oscilo dos dez aos vinte em instantes. Todos os anos anteriores gritam e me poesiam, com essa mesma liberdade com a qual invento uma nova palavra. Delírio verbal. Trinta anos é idade cósmica, quem não mergulha não conhece o universo de si.

Aos trinta sou completamente mulher, solta, dona de tudo em mim. Aos trinta me aceito inteira, cada cicatriz, pelo, fio de cabelo. Aos trinta tem esse orgulho imenso em ser quem sou, simplesmente porque descobri o belo de nunca tentar me padronizar. Aos trinta meus projetos são infinitos, meus caminhos são variados, minha direção é o que me faz bem. Aos trinta tudo o que se sente é fome, com toda uma graça especial nos gestos. O mundo é alimento. Aos trinta tudo é muito sagrado, eu e todos os deuses, e o amor como única religião que abençoa.

Aos trinta ainda não gosto de vinho, mas bote essa cerveja que a gente leva sempre que der. Aos trinta um boteco ainda me soa muito mais interessante do que qualquer baladinha que nunca fui, nem irei. Aos trinta, muita gente misturada continua a me dar um silêncio enorme, prefiro olhar os olhos que me olham e sentir o que salta. Aos trinta me sinto muito solar, capaz de ser o que quiser, inventando um lugar, tal qual a Tigresa de Caetano. Aos trinta, o que não tem mais jeito, rejeito. E vou sempre que a vida me chamar. Aos trinta nada envelhece, tudo nasce, a beleza de ser cresce. Trinta anos e tudo em mim floresce.

Aos trinta o que mais interessa é o amor. Todo tipo de amor, mas principalmente esse que tenho plantado e cuidado ao lado de Namorado, aquele mesmo dos vinte e cinco, que seria uma noite só, e permanece desde então, todas as noites. E tardes. E dias. Aos trinta costurei um amor que nunca imaginei ser possível em nenhuma outra idade, logo eu, sempre tão impaciente com bordados e carregando um medo constante de suas agulhas. Aos trinta aprendi a amar por saber apenas que não tem como saber de nada: é coser linha nova para cada novo retalho e ter sempre uma estampa sobrando para ajudar a cobrir um pedacinho rasgado de qualquer coisa que possa doer. Aos trinta sinto meu amor (re)nascendo a cada novo ano, até os próximos trinta, e todos os próximos depois dele. Aos trinta, amo, porque sou o amor.

Poucos dias atrás, os trinta chegaram. Ele ali, ao lado, meia noite, beijou uma mulher de trinta anos. Beijou todas as mulheres que já fui, em todas as idades. Aos trinta meu beijo beija mais bonito. Meu abraço abraça mais sentido. Meus olhos olham mais tranquilos. Meu sorriso sorri mais carinho. Aos trinta sou todas as minhas idades deitadas no meu colo recebendo muito afago por terem me trazido até aqui.

Aos trinta, sou essa coisa assim, absolutamente possível. Numa acontecência acentuada e excessiva. Eu sou eterna e quero é mais.


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Eu não estava preparado para acordar de manhã e confundir sua presença pela casa com tudo que iluminava o ambiente. Não estava preparado para abrir os olhos e sentir o cheiro de jasmim que entrava no quarto quando ela saía do banho. Para ouvi-la falando sobre o café enquanto passava um creme nas pernas e se levantava me beijando com todo aquele gosto de hortelã. Não estava acostumado a me vestir ouvindo aquele canto rouco de passarinha que vinha da cozinha junto com um aroma de muito carinho derramado.

Era linda de uma maneira nada óbvia. Se o mundo fosse cego, sua beleza seria ainda mais bonita, porque sentida. Era linda de um jeito que me esquentava o rosto e me esfriava as mãos com o simples gesto de ajeitar os óculos em cima do nariz. Usava roupas vermelhas todos os dias, sol ou chuva. Tinha um sotaque de lugar nenhum, porque não pertencia. Ouvia muito Billie Holiday - assobiava enquanto ouvia, distraída, solta. Viajava sempre, sozinha, com uma mala de livros de poesia. Falava o português mais bem dito que já ouvi, não corrigia ninguém. Andava por aí como se todas as estradas fossem de tijolos amarelos e tinha teorias mirabolantes sobre o modo como meus olhos lhe olhavam.

Nunca disse eu te amo, para ninguém. Não falava sobre solidão, sobre o tempo ou sequer fazia planos para o futuro. Vivia como se a vida nunca lhe houvesse doído. Gostava de dançar de olhos fechados, no meio da sala, superando todas as crises. Não sabia sentar-se como uma dama – como ousaram dizer que se senta uma dama. Os pés sempre ficavam em cima do sofá e ainda assim sua figura era imponente, rainha de si mesma. Os cabelos compridos estavam sempre desalinhados, como se, o dia todo, tivesse acabado de acordar - e sabia que a vida não era nada mais que isso, um eterno despertar de sonhos que se realizam ou esfarelam a cada segundo.

Não tinha televisão. Colecionava sonhos eróticos, haicais, óculos escuros e paixões efêmeras. No apartamento, um tapete com muitas almofadas e uma vontade constante de falar sobre as estrelas. Não gostava do escuro e tirava infinitas fotografias de tudo o que pudesse alimentá-la. Anotava recados nas mãos, desenhava no papel do pão, tatuava o sexo com seu corpo no meu. Morria de medo de avião, preferia ir de bicicleta. Tinha planos de comprar um fusca verde e um telescópio. A preferência para tudo o que se possa enfeitar eram sempre tulipas amarelas.

Gostava muito de morangos, água bem gelada e maçã do amor. Sorria como se tivesse nascido para fazê-lo. Me beijava destrancando todas as coisas mais deleitáveis guardadas nas minhas gavetas esquecidas. Rodopiava doida, cheia de asas, pelo corredor do prédio. Perdia horas na praça inventando histórias para os casais felizes. Fez um filme em plena segunda-feira só para dizer ao mundo que todos os caminhos dão sempre na mesma estrada: o outro. E carregava sua bandeira por aí, disposta a conquistar qualquer lugar que bem entendesse, pois havia descoberto ser uma mulher completamente possível.


Foi embora no domingo, final da tarde, naquele momento onde o coração lateja sem explicações. Foi embora depois de ler todo esse sentimento nas minhas íris indiscretas. Foi embora doce, poesia debaixo dos braços: morria de medo de morrer de amor.
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