Eu não estava preparado para acordar de manhã e
confundir sua presença pela casa com tudo que iluminava o ambiente. Não estava
preparado para abrir os olhos e sentir o cheiro de jasmim que entrava no quarto
quando ela saía do banho. Para ouvi-la falando sobre o café enquanto passava um
creme nas pernas e se levantava me beijando com todo aquele gosto de hortelã.
Não estava acostumado a me vestir ouvindo aquele canto rouco de passarinha que
vinha da cozinha junto com um aroma de muito carinho derramado.
Era linda de uma maneira nada óbvia. Se o
mundo fosse cego, sua beleza seria ainda mais bonita, porque sentida. Era linda
de um jeito que me esquentava o rosto e me esfriava as mãos com o simples gesto
de ajeitar os óculos em cima do nariz. Usava roupas vermelhas todos os dias,
sol ou chuva. Tinha um sotaque de lugar nenhum, porque não pertencia. Ouvia
muito Billie Holiday - assobiava
enquanto ouvia, distraída, solta. Viajava sempre, sozinha, com uma mala de
livros de poesia. Falava o português mais bem dito que já ouvi, não corrigia
ninguém. Andava por aí como se todas as estradas fossem de tijolos amarelos e
tinha teorias mirabolantes sobre o modo como meus olhos lhe olhavam.
Nunca disse eu
te amo, para ninguém. Não falava sobre solidão, sobre o tempo ou sequer
fazia planos para o futuro. Vivia como se a vida nunca lhe houvesse doído.
Gostava de dançar de olhos fechados, no meio da sala, superando todas as
crises. Não sabia sentar-se como uma dama – como ousaram dizer que se senta uma
dama. Os pés sempre ficavam em cima do sofá e ainda assim sua figura era
imponente, rainha de si mesma. Os cabelos compridos estavam sempre desalinhados,
como se, o dia todo, tivesse acabado de acordar - e sabia que a vida não era
nada mais que isso, um eterno despertar de sonhos que se realizam ou esfarelam
a cada segundo.
Não tinha televisão. Colecionava sonhos eróticos,
haicais, óculos escuros e paixões efêmeras. No apartamento, um tapete com
muitas almofadas e uma vontade constante de falar sobre as estrelas. Não
gostava do escuro e tirava infinitas fotografias de tudo o que pudesse
alimentá-la. Anotava recados nas mãos, desenhava no papel do pão, tatuava o
sexo com seu corpo no meu. Morria de medo de avião, preferia ir de bicicleta. Tinha planos de comprar um fusca verde e um telescópio. A preferência para tudo
o que se possa enfeitar eram sempre tulipas amarelas.
Gostava muito de morangos, água bem gelada e maçã
do amor. Sorria como se tivesse nascido para fazê-lo. Me beijava destrancando
todas as coisas mais deleitáveis guardadas nas minhas gavetas esquecidas.
Rodopiava doida, cheia de asas, pelo corredor do prédio. Perdia horas na praça
inventando histórias para os casais felizes. Fez um filme em plena
segunda-feira só para dizer ao mundo que todos os caminhos dão sempre na mesma
estrada: o outro. E carregava sua bandeira por aí, disposta a conquistar
qualquer lugar que bem entendesse, pois havia descoberto ser uma mulher
completamente possível.
Foi embora no domingo, final da tarde, naquele
momento onde o coração lateja sem explicações. Foi embora depois de ler todo esse
sentimento nas minhas íris indiscretas. Foi embora doce, poesia debaixo dos
braços: morria de medo de morrer de amor.
Sempre lírico. Essa moça é tão poesia que só de ler teu texto da vontade de ser ela.
ResponderExcluirMais um texto sublime. Até podemos até ficar com medo de amar, mas o sentimento vence qualquer barreira imposta pela razão. O amor tem a sua força.
ResponderExcluirBeijinhos estalados...
Suas personagens mulheres são sempre tão cheias de vida, donas de si, cheias de vontades, de desejos. Elas brilham sempre muito. Me inspira, sabe? Porque é uma delícia se descobrir ser completamente possível.
ResponderExcluir"...e sabia que a vida não era nada mais que isso, um eterno despertar de sonhos que se realizam ou esfarelam a cada segundo."
Coisa linda isso!
É sempre um imenso prazer te ler, amiga. Sempre.
Você é foda demais!
Oiee poetisa,
ResponderExcluirDeslizar os olhos na tua poesia é acreditar no despertar dos sonhos.
Sempre tão linda e leve que até o "desamor" torna-se apenas um medo de morrer de amor, porém...ninguém morre de amor.
Você também é linda, moça. Feliz por estar aqui.
"É que tem gente que ilumina 'a gente.
Que tem o dom de fazer clarear.
Que espanta qualquer – mal olhar.
Gente boa; Gente de alma limpa.
Capaz de proporcionar paz onde não há.
É ao lado de gente assim - que quero estar
beijos,
Lindo demais
ResponderExcluirsenti cada paragrafo, cada linha.
Consegui visualizar o cenário, consegui visualizar a menina
acho que escritores de verdade fazem a gente sonhar, imaginar, sentir
e eu senti tudo isso.
Parabéns.
Bjo
http://karinapinheiro.com.br/domingos/
Sabe aquela frase " tao bom morrer de amor e continuar vivendo"? É bem isso. A gente morre de amor e no outro dia ta de pé de novo pra viver tantos amores quanto forem possiveis.
ResponderExcluirVoce sempre linda.
Que delícia de texto.
ResponderExcluirMe inspirou bastante, por um segundo pareceu ser uma tarde de um domingo de primavera, aqui. Eu curti a ideia do fusca verde!!! Amo. <3