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Jaya Magalhães

Ei, encosta aqui no meu carinho. Infelizmente ele vai chegar aí assim, meio afastado. Hoje, mais do que sempre, além de escrever, é importante que estas linhas estejam sendo lidas. Quem sabe as palavras se juntem num beijo que te alcance, já que meus lábios não podem fazê-lo. Me escuta?

É, eu sei, nenhum de nós nunca pensou viver em meio ao fim do mundo. Há um ano estamos sendo alertados, só que a maioria nunca levou a sério. O preço está sendo pago. Mas fica tranquilo, não vim aqui para reforçar tudo o que já andamos exaustos de saber e de sentir. Eu quero mesmo é ver se consigo te fazer sorrir em alguma dessas minhas frases desconexas. Meu interesse é só um: que seja leve.

Eu desejo que você acorde amanhã e, mesmo sem poder sair de casa, que você tenha uma janela por onde a vida entre e te faça sentir que o mundo segue acontecendo. Que você aceite as pausas como consequência de um ato nobre, o qual poucos andam tendo o privilégio de participar. Ficar em casa é aceitar-se herói de si mesmo e de um pedaço grande do hoje. Que você aproveite os domingos sem praia e enfeite a mesa do café da manhã para presentear quem divide a clausura ao seu lado. E se você estiver sozinho, que você faça uma chamada de vídeo para aquele amigo que também anda sem plural. Para os seus irmãos, pai, mãe — qualquer família. Mata a saudade tomando um café e contando um caso besta enquanto fazem planos de um churrasco para depois do fim do mundo, quando todos estiverem vacinados. E sorria.

Eu desejo muito que você tenha comida na mesa, amor no coração, quatro paredes para caber o tanto que você é. E se sobrar, que você possa ajudar alguém, nem que seja para entregar esperança junto a um prato cheio que mate a fome de quem só tem o céu para cobrir-se. Desejo que se você tiver um vizinho ou algum conhecido com cabelos de algodão e histórias de alinhavar o ontem, que você passe por debaixo da porta um recado com seu telefone e uma frase de recarregar baterias, oferecendo-se para fazer aquilo que o corpo mais antigo já não pode. Que você reconheça com muita força a sorte que tem de estar vivo. E, caso você tenha perdido alguém para o caos, que o tempo te permita pequenos recomeços. Desejo que você consiga, a todo instante, encontrar alguma poesia para recomeçar. 

Desejo que você receba afagos cotidianos. Uma mensagem que te pergunte se está tudo bem, se você quer conversar sobre isso. Que alguém te envie um bolo de cenoura com cobertura de chocolate. Que você enlouqueça com o episódio daquela série e telefone para comentar com a pessoa que te indicou. Que exista um livro para te consumir. Que você descubra um novo talento enquanto deita no chão e olha para o teto, mesmo que esse talento seja começar uma tabela de contagem de estrelas. Que quando você enlouquecer, não tenha censuras. Que abra um vinho enquanto deixa a panela queimar e xingue caminhando pela casa e resolva jantar sorvete. Que você esteja conseguindo. Tentando. Levantando. Acreditando. E impulsionando alguém a fazer o mesmo. Que você deixe esse alguém saber e sentir que você está aí. E que você esteja. Eu estou.

Eu desejo, como nunca desejei nada antes, que a gente sobreviva a este fim do mundo. E que depois, lá no amanhã, reaprenda a viver. A vida nunca se viu sendo vivida tão errada. Me sobra desejar acertos. Para todos nós.

E amor, sempre.


Março|2021
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Eu achava que nunca mais iria sentar para escrever e direcionar alguma palavra a você. Mas é quarentena, e diante de tanta coisa que vivi nos últimos três anos, mais a terapia pausada nos últimos meses, tenho mergulhado em processos que me ajudam a desfiar algumas questões que me incomodam um pouco na hora de respirar. Venho por isso.

Nós sempre fomos uma história sem fim. Nos despedimos várias vezes, ficamos tempos sem contato algum, mas quando nos encontrávamos era real aquele clichê de que tudo continuava igual. Até que um dia escrevi aquele texto, Apenas o Fim, e deixei você ali, quietinho. Para sempre. Depois daquilo fui reaprendendo a deixar meu coração fazer novos caminhos. Encontrei novas pessoas, vivi algumas histórias. A mais séria delas começou dias antes de você me dizer que estava disposto a fazer com que funcionássemos. Estou relatando porquê preciso dar essa olhada no ontem para ver se chego onde quero, ok? Você finalmente estava disposto, mas eu não conseguia mais acreditar. Tentamos então ser amigos. Logo nós dois, que nunca fomos amigos. Que nos apaixonamos de um jeito inédito e intenso e, por isso mesmo, assustador. Mas eu ia, lembra? Sempre fui, chamei, esperei. É bizarro lembrar que você só se atentou quando eu já não estava mais ali. Tão ridículo, você. 

Então ok, amigos. Só que existia um desconforto, não parecia de verdade. Não parecia natural trocarmos confidências sobre amor e sexo. Eu sentia, e talvez estivesse errada, que precisava deixar você ir. Construir sua vida, me permitir passar. Daí então parei de responder às suas mensagens e e-mails. Somado a isso, vivia um relacionamento onde ficava cada vez mais claro que sua presença incomodava. E tive vergonha de te dizer isso. Porque sabia que não era assim que as coisas funcionavam e porque sabia que você não iria me reconhecer. Existia aquele pacto de estarmos na vida um do outro para sempre, mas fiz uma escolha, por nós dois. Sem pedir sua opinião, como se você fosse mesmo descartável e eu não te enxergasse na minha frente toda vez que Nando cantava Por Onde Andei em algum lugar.

E agora já faz o que? Seis anos? Estou aqui, escrevendo. Porque foi somente aqui, em 2020, que procurei algum sinal de você. Te encontrei, mas fiquei quieta, enquanto agradecia por você estar bem. Corri para comentar com algumas amigas sobre o meu sentimento. Tudo em mim ama você, ainda hoje, tanta coisa depois. Mas aquele amor tranquilo e distraído, sabe? De quem não precisa de nada além de sentir o outro em paz. Tudo em mim conseguiu sorrir e ficar feliz. Uma felicidade quase minha, em notar suas conquistas e construções. Sentir que o tempo te fez esse carinho bom, que a vida se desenhou bonita nas suas horas.

Te escrevo para contar também que as coisas por aqui foram difíceis e loucas, mas que estou bem. Não faço a menor ideia se um dia você vai ler isso. Não sei como você me receberia — se é que me receberia. A vida é outra. Nós somos outros. Mas gostaria de deixar claro que muito em mim é formado de você. Sei que aí é do mesmo jeito, não tem como negar que toda aquela troca não ficou arraigada em quem nos tornamos. E a sorte é toda minha.

Ainda não li aquele livro que você me deu junto a uma carta, no meu último aniversário onde ainda nos falávamos. Guardo os dois. E guardo você. 

Desculpa o silêncio. A ausência. O gesto. Eu ainda lembro dos seus olhos claros sorrindo, Antônio. E desejo que eles tenham todos os motivos para brilharem por aí. 

É sempre com amor.


Agosto|2020
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E lá fui eu, molhar a pontinha do dedo, mesmo conseguindo enxergar com muita facilidade, desde o terceiro oi, o quanto você é raso. Em meio ao deserto ao qual escolhi me submeter, te encontrar com as mãos em concha me oferecendo um gole d’água foi tentador. Pensei algumas vezes em resistir, enquanto ao mesmo tempo me permitia enrolar nos seus imbróglios. Sim, às vezes escolho a dedo as estradas por onde sei que posso me estragar.

Apesar do seu vocabulário limitado, do seu jeito cansado e despreparado de me dar apelidos que recusei, da sua falta de capacidade de desfiar as linhas de assuntos que delicadamente joguei na roda, das suas cantadas sem criatividade, da sua caricatura tão perfeitamente hétero top, do seu jeito de miar em vários telhados, do modo tão estranho, ansioso e exagerado como se aproximou, deixei que você permanecesse. Voltei atrás em seguida, só para algumas horas depois te dizer: vem.

O que vinha daí acendia minhas vontades. Te devolvi faíscas, te engoli em pensamento. Ouvi seus gemidos pendurados em minhas orelhas, naquela tarde muito quente onde comecei a enxergar a possibilidade de um evento de você e eu. Ouvi, repeti, decorei o tom tão grave de quando sua fera explode e você se entrega, manso, celebrando minha selvageria. Fui sincera em todas as etapas: te queria apenas por algumas horas. Meu coração, já não tão desarrazoado assim, não permitia que você viesse sambar aqui dentro, mesmo com sua voz bonita e todos esses instrumentos de onde saltam sua música. Você não me tocou, boy.

Disse para que você não se apaixonasse, fui clara em expor meu desapego, mesmo sabendo que não dominamos nada. Sou emocionada, mas não sempre. Eu chupava os dedos enquanto você me olhava e eu te enxergava do outro lado, em êxtase, derramando-se. Seus avanços nada sutis liberaram o que uma quarentena inteira não me permitiu acordar. Você conseguiu: lá estava eu, disposta a entrar na chama com você. Renasço sempre. Toda essa fumaça presente nos meus olhos castanhos você não chegou a reparar naquele primeiro dia. Eu usava máscara, você preferiu me olhar de costas. Ei, e se eu deixasse você montar em mim depois de tê-lo derrubado em minha cama?

Quando te disse: vem, mas vem com calma — depois de semanas recheadas de propostas insanas —, você apareceu. Fazia frio e você me beijou em frente às escadas. Nos abraçamos enquanto percebi que não sabia a cor dos seus olhos. Qual a cor dos seus olhos, baby? Qual o tamanho do seu sorriso? Sua língua dentro da minha boca não dizia nada. Bobagem minha ousar te pesquisar tanto assim, eu sei. Coisa de poesia, de quem tenta desvendar algum verso em meio ao improvável. Você gemia e crescia na minha mão enquanto segurava meu pescoço e enlaçava meus cabelos, me tendo ali, perscrutando seus cheiros, mordendo sua nuca e controlando todas as minhas reais vontades.  

Lamber seus lábios, mordiscá-los, beijá-los, alternar os nossos fôlegos; tudo isso acordou em mim coisas preciosas que eu já não sabia mais resgatar. Mas não consigo lembrar do seu rosto. Quando anunciei baixinho, entre todas aquelas mãos passeando: pode encostar!, eu já estava ali, servida. Só precisava esquentar mais um pouco, mas e daí? Você me encontrou pronto para mergulhar-se em outro alguém que permitiu desaguar-se em suas teias. Por aqui, me bastou molhar a pontinha do dedo e provar um gole para que decidisse me preservar, lembra? Desviei. Dessa vez não ignorei nenhum alerta. Ainda assim, poderia te queimar, com todo esse fogo de um corpo que explodiu termômetros em pleno inverno. Bastava chegar mais perto, aceso e sem tantos rodeios assim. Cadê o meu estrago? 

Suei para conseguir escrever este texto. Precisava que você me deixasse pelo menos alguns parágrafos. Não são tão bonitos quanto aqueles que te mostrei e foram relidos tantas vezes por aí, mas são seus. Um alerta. Um pequeno aviso.

Eu só queria te desmontar, meu bem.

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O destaque começa no outono. Não apenas por estarmos na serra e sermos presenteados com alguns dos pores de sol mais merecedores de plateia, mas principalmente por conta das temperaturas amenas que começam a ser apresentadas. Na Bahia faz frio? É a pergunta que todo habitante local responde ao comentar sobre a vida deste lado do sertão baiano. E sim, faz. Mas costumamos esquentar com poesia e alguma bebida agridoce que te permita provar pequenos extremos, como somos nós.

 

O céu é uma explosão de cores que denunciam o humor local — e, é claro, em alguns dias oscila absurdamente. Hoje, por exemplo, a manhã estava muito acesa e limpa. No passar das horas, a tarde chegou cheia de névoa, tamanha era, que não se via o alto da serra. Já no entardecer, as cores saltavam numa aquarela que presenteava nossos olhares. Que sorte vê-la em emoções, cidade!

 

Fazemos divisa com o norte de Minas, daí então nossos sotaques cantam um pouco diferente do restante do estado — puxamos o “s”, sem chiar. Temos um pezinho nas Gerais e somos, por isso, muito agradecidos. Somos (especialmente se comparados aos soteropolitanos) um povo mais sério, de fala mansa, talvez de menos palavras e sorrisos; mas se você sorrir de lá, será tão bem-vindo que vai sempre querer estar. Abraçamos mais demorado, gostamos do som de viola e celebramos a chuva como todo bom sertanejo que se preze. Não temos mar, talvez daí venha a preciosidade com a qual tratamos as águas. Quando queremos praia, descemos para os Ilhéus e namoramos ali tudo o que Jorge enraizou um dia. 

 

Estamos quase virando uma cidade universitária e a juventude ajuda a sorrir melhor os espaços antigos por onde pisamos. Daqui brotou Glauber Rocha, Xangai e Elomar. E no presente sopramos também novas vozes que recheiam a música brasileira e a arte de tudo o que é e está. Gostamos muito de praças, verde perto, flores com histórias e árvores robustas. Falamos gírias que nos identificam: oxe, véi, queta, moss! — esta é uma frase que todo conquistense raiz usa muito ou já usou pelo menos uma vez — e estamos crescendo tão rapidamente que dá orgulho apontar o que era e até onde vai. Estamos sempre indo. E chegando.

 

Vitória da Conquista, a Joia do Sertão Baiano, é a cidade que escolhi para estrear no mundo. É a cidade de onde fugi algumas vezes e para a qual sempre volto — coração não desenraiza, pode pesquisar. É aqui onde quaresmeiras, buganvílias, ipês, flamboyants e hibiscos enfeitam os redores e ganham outro significado. Quando estou fora, basta pousar os olhos nessas árvores/flores, que volto imediatamente para dentro. De mim.


|GW10

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Todo amor pode romper-se. É porcelana. Todas as histórias vividas antes de sermos mostraram a não tão manifesta violência dos sentimentos que deixam rachaduras. Andávamos por aí marcados, coração na mira, alvo de tantos (des)amores. E foi justamente ali, quando eu acreditava não mais estar acreditando, que tudo aquilo que parecia tão errado em você me acertou. Movimento que me trouxe a este instante, antecipando futuros, véspera de um importante amanhã, simplesmente porque decidimos documentar o que jamais carregará certeza, ainda que assinado e testemunhado. 
 
Escrevo para que você saiba: não faço promessas. A única pessoa para quem me prometo é para mim mesma. Nascemos e vivemos a maior parte das nossas vidas até aqui sem sabermos um do outro e num sopro muito natural fomos empurrados a este encontro. Resolvemos dar as mãos intuindo que poderíamos ser tão dignos de moldura quanto arte exposta, e quase sempre somos. Driblamos zangas e infelicidades, amenizando o peso do mundo ao dividi-las. Encontramos caminhos saudáveis por onde ir, lugares intactos para construir e parece sempre mais oportuno olhar o mundo quando posso olhá-lo com você ao lado. Escolho seguirmos enquanto fizer sentido — poucas coisas fazem, mas você é um sentido que consigo alcançar. Tudo em você me alcança.
 
Nunca pensei em casar, sigo atenta e consciente: a maior probabilidade é a de não funcionar. Mas tem funcionado. E mesmo que acabe logo ali, enquanto passeamos de bicicleta pela orla e você lamenta o fechamento da última livraria do bairro, não deixará de ter sido. Porque o amor é, mesmo quando não mais está, ainda que finito e suscetível às incoerências das relações. Aceito você porque antes aprendi a me aceitar. Aceito porque os trabalhos domésticos não te assustam, porque exaltamos a liberdade como redoma, porque você enxerga a necessidade de não estancar alguns dos meus sangramentos, porque nossos conceitos de fidelidade se acolhem, porque você sorri e me ajeita, porque minhas palavras saem fáceis para abraçá-lo, porque você domina a arte de alongar a minha alma e, principalmente, porque depois de tanto, entendemos que sentimentos que cantam assim não acontecem sempre. É preciso aproveitá-los. Aproveitemos, pajarito.
 
Amanhã, caso eu não decida fugir, te entrego num beijo a certeza de que, apesar de não tê-la, eu estou. 
 
E você?

|GW1
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Eu sei quem sou. Mas e você? Sabe quem você é? Quantas vezes você já quebrou coisas e pessoas? Quantas vezes você foi exposta depois de ser silenciada? Quantas vezes você criou para si uma referência e aceitou-a como sendo real antes de analisar suas próprias (re)ações dentro daquele ambiente? Quantas vezes você formulou conceitos e trouxe para a roda sem estar disposta a ouvir, consertar e analisar o que foi entregue dentro do que você mesma também causava? Quantas vezes você julgou mais fácil posicionar-se como vítima e entregar a culpa para que a pessoa mais próxima vestisse? Não coube aqui. Não cabe em mim.


Sou de poucas palavras, mas escrevendo falo bastante. Viro tagarela em ambientes onde me sinto parte e estou sempre sorrindo. Me importo. Muito. Com todo o mundo — especialmente com quem participa o meu. Amo. Protejo. Luto. Sou educada. Tão doada que precisei trabalhar na terapia os limites de até onde ir pelo outro. Aprendi a me posicionar. A me defender. A escutar afetivamente e a ter cuidado com a minha fala. Aprendi a dialogar. A cuidar do bom que um dia permiti que fosse plantado no que sou. Aprendi a me resolver. A não gritar, porque a palavra sempre alcança. E, principalmente, que o que acontece entre duas pessoas só diz respeito àquelas pessoas. Duas.

 

Não desconstruo imagens. Não aponto, não julgo e tampouco exponho. A vida sempre se encarrega de devolver-nos absolutamente tudo o que entregamos. Às vezes, em dobro. Desde que aprendi isso, levo cada vez menos coisas na minha sacola de mundo. Não me canso. Não me forço. Ficar ou ir embora, as portas deixo abertas. Só não aceito de volta. Todos temos nossas verdades. Tudo o que acontece é por elas carregada — e somente essas vivências são capazes de interpretar as acontecências. Mais ninguém. Não adianta, amada, você forçar. Eu não aceito. Eu não respondo. Eu não piso na imagem que um dia trouxe de você em mim, mas me reservo o direito de jamais revisitá-la. Porque para mim, você ousou despir-se de um jeito inesperado. Será que você não aguentou levar as mesmas coisas que me foram entregues? É tudo tão recíproco.

 

Eu posso falar quando algo me incomoda. Posso me posicionar diante do que me desagrada. Posso manifestar descontentamentos, erros, correções, incoerências. Posso, e ninguém me toma esse poder. Isso não me impede de, todas as vezes, seguir de ouvidos e olhares atentos quando você faz o mesmo. Mas, veja bem, quando ouso, até meu suspiro é afronta. Escrevo e você dá o tom. Falo e você não escuta. Você fala e quer ser ouvida. Você fala e não posso interpretá-la. Tenho que engolir e acenar positivamente, será mesmo? Você, que tanto prega, me explica, que igualdade é essa? O patriarcado, mais uma vez, expondo suas raízes. Não projete em mim SUAS questões. Suas inseguranças não me dizem respeito. Os motivos são todos bestas, mas você escolheu, mais uma vez, aumentá-los e dramatizá-los. Você me silenciou, lembra? Você. E agora não reconhece o comportamento tóxico e debochado que me dedica dia e noite, ainda hoje, em meio a bizarras formalidades por você criadas e exigidas. Nunca vivi nada assim. Você pediu respeito, mas não sabe respeitar. Tenho driblado todos os meus machucados e sido exemplarmente elegante, exceto pela comunicação tão imbecil diante da qual um dia resolvi debochar também. Mas você não faz o mesmo. Você me desrespeita e empurra desconfortos em público, inclusive diante de pessoas que nada tem a ver com suas escolhas. Sinto vergonha. Essa é a única vez que te permito algum ibope. Sua imaturidade me assusta. Se um dia você chegar aqui onde estou, talvez consiga enxergar como pisou em cima de coisas tão sutis que um dia ousaram ser construídas lado a lado. Eu desejo só o bem a você. Principalmente luz e alguma suavidade. Você sabe trilhar caminhos lindos. Escolha alimentar-se de energias leves. 

 

Aprenda a lidar com suas escolhas. Com o fato de ter me descartado tão prontamente da sua história esperando que eu não fizesse o mesmo. Somos muito parecidas. Para o bem e para o não tão doce assim. Tenha cuidado com suas palavras. Com suas pinturas. Com suas fotografias. O que existiu, existiu dos dois lados, lembra? Vivemos juntas. Está documentado. Já me curei das mágoas. Não houve lágrimas, mas algum desconforto no estômago que logo foi tratado após analisar minha jornada. Só me arrependo de tê-la começado, mas nunca do caminho percorrido. Foi através dele que pude ver o que você guarda. E o que você foi capaz de me entregar. Não recebo. Sigo firme na decisão de guardá-lá, intocável, salvando aquela primeira imagem do que já foi um dia.


Mas não é mais. Você, em mim, já não é. Tudo. 

 

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Era o começo dessa pandemia mundial e minha primeira saída para um lugar público desde que as coisas mudaram. Lembro que entrei na sala e sentei de frente para você. Usávamos máscaras. Você estava lendo aquele livro de Aldous Huxley que eu havia acabado de comprar e isso foi o suficiente para despertar minha atenção. Sempre sou a única nas salas de espera com um livro nas mãos — todos preferem o celular. Mas você não. Você lia concentrado e desviou seu foco para me sorrir com os olhos e responder ao meu bom dia. Passei a encarar meu all star branco um pouco sujo enquanto tentava imaginar como seria seu rosto. 

            

Me chamaram pelo nome a fim de terminar o preenchimento da ficha de atendimento. Você me observou mais uma vez, senti que acompanhava meu caminhar até a mesa. Em seguida, foi sua vez de ser chamado — para o consultório. Assim fomos apresentados. Dividíamos o mesmo dentista e talvez algum gosto em comum pela literatura. Provavelmente nunca mais nos encontraríamos, não fossem os acasos.

            

Poucos dias após, uma amiga em comum, que até então não sabíamos ter, compartilhou em sua rede social uma fotografia na qual eu estava. Você então reconheceu os meus cachos, o meu jeito de olhar e o nome diferente. Veio até mim. Contou a história e zombamos das coincidências, exceto pelo fato de que, naquele dia, você estava aqui apenas visitando a família. Um acidente doméstico na piscina fez quebrar a pontinha do seu dente e o seu socorro foi nosso alívio. Passamos a conversar instantaneamente, durante horas. Seu rosto debaixo da máscara era ainda mais delicado e gentil do que imaginei. Nossas sensações foram ganhando nomes e proximidades — você me parecia cada vez mais bonito. De mensagens de texto para áudios, em poucas semanas estávamos abrindo chamadas de vídeos, com você acompanhando meu cotidiano de quarentena e me mostrando sua rotina de isolamento. Assistíamos juntos a filmes antes de dormir, jantávamos em par, nos encantávamos completamente distraídos. Éramos presentes, assim, cada um na sua casa. 

            

Três meses depois concordamos que era chegada a hora do primeiro encontro. Sem máscaras, com sabores e prováveis toques. Fizemos o teste da COVID-19, trocamos os resultados negativos, alugamos aquela casa na serra e fomos. Um feriado para nos prolongarmos um no outro. Uma oportunidade para criarmos as primeiras importâncias conjuntas e sentirmos o cheiro tão íntimo que o sabonete deixa em nossa pele.

            

Obviamente os receios existiam, mas todas aquelas vontades mútuas defendiam os possíveis argumentos contrários. Nos encontramos no centro, eu indo de um estado e você do outro. Cheguei antes e te esperei na varanda, aflita e festiva, com uma taça na mão esquerda e expectativas nas retinas, organizando uma playlist que pudesse acarinhar seus ouvidos. O barulho do carro na rua de terra anunciou sua presença. Você desceu e caminhou até mim ainda de máscara, me levando de volta àquele dia, na sala de espera, onde seus olhos sorridentes me disseram tudo o que foi possível naqueles escassos instantes. Te sorri de volta, passei as mãos nos cabelos e encaixei-as nos bolsos da minha calça, confusa, balançando o corpo pra frente e pra trás, sem saber onde pousar minha atenção. Você tirou a máscara, desinfetou as mãos com álcool gel e me tocou pela primeira vez, fisicamente. Voltou ao carro, pegou sua mala e caminhamos até a varanda, seu braço ao redor dos meus ombros e o meu encaixado em sua cintura. Entramos.

            

Te ofereci uma taça daquela mesma bebida e aos poucos fomos acalmando nossas ansiedades. Voltamos para a varanda enfeitada por uma cerca viva de buganvílias e ficamos em silêncio, no sofá, admirando um céu que nunca antes vimos tão recheado de estrelas. Você começou a fazer em mim um cafuné gostoso que te levou a procurar meus lábios. Comíamos todos aqueles beijos frescos recém-colhidos, cheios de apetite e brandura. 

            

Fui tomar um banho e você animava a cozinha no preparo de um spaghetti alla carbonara, com toques especiais secretos, receita da sua nonna. Retornei e aquele aroma de domingo tomava conta do ambiente. Abri um vinho enquanto você foi para sua ducha rápida. Quando sentamos para saborear a iguaria, você sugeriu replicarmos aquela cena clássica de Lady and the Tramp e eu agradeci por você ser tão idiota. Então você cozinhava para causar alguma impressão sem nem saber que esta é, para mim, uma das mais belas demonstrações de afeto. E você seguia me afetando.

            

Algumas horas depois fomos para o quarto. Deitamos e seguimos conversando até os primeiros ensaios do amanhecer. Dissemos sobre os nossos caminhos até ali, contabilizamos quantas vezes tivemos nossas idealizações destroçadas e prometemos não desarquivar traumas e projetá-los no que pudesse vir a partir daquelas acontecências iniciais. Adormecemos.    

            

Despertamos no começo da tarde, amassados e famintos — um do outro. Você me olhava como se tudo aquilo fosse uma descoberta muito importante. Me olhava devagar, como se estivesse pesquisando o melhor jeito de me fotografar para guardar no seu depois. Após aquele contorcionismo em par, você suavemente deixou-se em mim. Nossas pupilas dilatadas denunciavam alguma forma de amor, pois nada diferente disso seria anunciado com todo aquele afã. Descansamos os batimentos observando o quarto rodeado de verde encher-se de devaneios pós-pertencimento. Você e eu e uns primeiros pingos de chuva lá fora. 

            

Parecia um sonho e eu esperava que você me convidasse para fugir. Tudo, absolutamente, para me dar motivo e coragem suficientes para não voltar à realidade do mundo atual. Quando encontrei você, eu só queria ir embora de mim, amor.


Me pede pra ficar.

            

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Jornalzinho de Miudezas

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