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Descarada Pretensão


Sentado naquela roda, puro êxtase. Senti o calor do seu olhar sob minha pele. Fiz-me brasa. E meu sorriso perdia-se nele. Não sei, essa minha idéia de independência emocional é um grande fiasco, por vezes. Melhor acender um cigarro. Mas e se ele ler minha intenção desenhada na fumaça? Se ele preferir mulheres que não fumam? Lá vou eu, outra vez, medindo minhas ações pelas reações alheias. Dane-se! Essa noite é cigarro e bebidas. E em menos de cinco minutos ele vai caminhar até aqui. Previsíveis homens, não podem ver uma mulher sozinha. Hoje o favor é meu.

- Posso sentar? - se aproxima, como que desenhando o sorriso em mim.

- Não tão longe.


E enquanto ele chegava mais perto, vinha aquele cheiro, beijos pelo ar, carícias, vontade de vacilar. E essa pista de dança era um mero teatrinho. Protagonistas éramos nós. Eu e ele. Ousei. Quis fazer cena.

- Aposto como você fica bem no meio do salão. - incitei.

- Danço. Dueto, você e eu. Quero que você me canse.


Fomos. Cada toque dele em meus cantos era faísca em algum lado daquele salão. Ele me chamava sem emitir palavra alguma. Todas as coisas lindas que ardiam em mim, eu entregava ali. Íamos desatinados. As retas se entortavam. Mimetismo nosso, nos experimentávamos. A música era nosso manto.

- Acender o pavio pode causar uma explosão. - eu lhe dizia, virando a curva no evitar de um beijo.

Ele me olhava. E eu rimava tanta bobagem naqueles olhos que me alcançavam por dentro, procurando vaga em meus gestos. Com suas mãos em meus ombros gelados, voltamos para sentar. Mal humorado, o garçom dava sinais de que já era fim de noite. Viramos uma última dose de uísque. Chutei-lhe o pé, por debaixo da mesa, piscando o olho num ar de chantagem doce para uma madrugada melhor. Notei que seu orgulho dilatava-se. Tão fácil ele se achar especial! É o provocar de fim de festa em seus efeitos.

Seguimos caminhando, ele com a garrafa. A noite seguiu nua. Desmetaforizada. Regozijo nosso, à beira-mar. Urgência de amar. Amar? Ardilezas bem postas. Plural singularizado. Fonte escondida era ele, que derramava-se em mim. Emaranhamento nosso, naquela teia em comum. Pensei no meu sorriso ingrato. Levantei, passos tortos pela areia, carregando os sapatos nas mãos. Ele, sombra de mim. Me puxou pela cintura, me virando num rodopio, ao dizer:

- Quero bis de você. - segurando meu queixo.

- Todos querem. - na minha melhor indiferença, lábios enfeitados em malícia.


Meus ares de atriz. Do outro lado da rua, o hotel no qual me hospedava. Me despedi. Subi as escadas sem virar o rosto. Sabia daqueles olhos claros me acompanhando. Novo incêndio ao meu redor. Corri perigo. Fui dele. Não podia ser. Tampouco podia proibi-lo de insistir na pirraça de me ter. Não cobrei por aquela noite. Favor meu, como havia programado. Vaidade exagerada. Acréscimo de estima. Por mim.

Surdo é meu coração, demitido do emprego de amar.

Comentários

  1. Jaya algo que me fascina nos seus textos é a poesia, o poético. Você tem esse dom e acredito que pode escrever sobre qualquer coisa e lá haverá algo poético, teu traço de poesia, você em versos. Surdo não é seu coração que vê e sente além da medida. Sensível. A senhorita é escritora-poetisa. Quero bis de você. Continue sempre escrevendo. Sou muito grato por poder lê-la!

    Abraço,

    R.Vinicius

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  2. Oi Jaya, delícia esta leitura.
    Se o desalento demite os nossos corações, o seguro-desemprego, os mantém.
    Sei lá, apesar de tudo que se fala sobre o sofrer-de-amor, continuamos amando....
    Demite não!
    Carinho.
    Grata pela visita e comentário.

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  3. Foi estréia sua em Paquetá com esse texto. É um texto bonito, tem seu charme. Nessa história toda de conquista, me perguntei por que o texto, de repente, ficou tão pequeno. Você andou arrancando alguns pedaços? Pode ser impressão minha também.

    E o que mais me atraiu foram esses diálogos inacabados, essas palavras que, pra gente daqui, não faz muito sentido. A impressão que dá é que elas iam sendo completadas por cílios, por gestos, por toques. Suas sutilezas fazem o texto ficar bonito, Jaya. Sua especialidade é fazer a gente dançar no ritmo dos seus versos como um convite.

    Um beijo;

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  4. Que lindo!!!!!
    Adorei o sensualismo meigo que encontrei por aí...
    Afff... Eu sempre me delicio com seus contigo...

    Ah! E quanto a listinha, não se segura não moçinha! Responde sim, que vou adorar descobrir mais sobre tu!!!!!

    Beijão

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  5. imagino a cena em um filme. e por falar em filme, já assistiu Nosso Amor do Passado? tenho certeza que você ia adorar. é ótimo! teu texto me fez lembrar dele.
    beijo!

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  6. me recolho na insignificância da palavra, por não ter a sedução encarnada do silêncio.



    [tenho reações físicas, às tuas palavras. quase me incendeia.]

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  7. ps. e te deixo escrever todo dia, 3 vezes. posts pros teus leitores famintos.

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  8. É como te falo Jaya, que mundo é esse que um cara no bar encontra uma mulher tão facin facin, que vai se jogando pra ele de braços (e pernas abertas)?

    A história desde o início me assustou. Cara, que mulher atirada. Ela fala do homem, mas ela então, na primeira fala praticamente disse (me quer hoje)?

    Tem um enredo bonito. Uma imensa troca de carinhos. A gente sente essa energia, essa vibração e essa atração carnal forte entre os dois. Seria mais romântico se ela não fosse uma garota de programa, que na verdade deu pra ele de graça e consciente. Mas mesmo assim é gostoso de ler esse sentimento que pulsa naquele momento. Coisa de momento, e que suga de verdade. Teve emoção e foi excitante. Embora tenha sido um texto que tu deixaste não muito evidente nas expressões, o desenrolar da história nos faz perceber.

    Enfim, texto poético, que é percebido na maneira tão delicada de tratar desse assunto. Só você Jaya pra primar em medir as palavras e nos presentar uma doce história, com palavras bem escolhidas. Porque dessa forma não a deixou vulgar, mas bela.

    Não foi um dos seus melhores textos, mas adorei.

    Grande beijo

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  9. Sabe, Jaya, sempre tenho algo a falar, algo a dizer, mas tu me comes as palavras. Deixa-me sem ação, sem saber o que pensar.
    És fantástica e tua capacidade de nos inquietar com teus escritos é imensa.
    Adoro-te.
    "A noite seguiu nua. Desmetaforizada."
    Beijos

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  10. Até eu não resistiria a um favor desses. Pra que se empregar em amar? As melhores coisas são gratuitas. E simples.

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  11. "E meu sorriso perdia-se nele. Não sei, essa minha idéia de independência emocional é um grande fiasco, por vezes. Melhor acender um cigarro. Mas e se ele ler minha intenção desenhada na fumaça? Se ele preferir mulheres que não fumam? Lá vou eu, outra vez, medindo minhas ações pelas reações alheias. Dane-se! Essa noite é cigarro e bebidas."

    "Sabia daqueles olhos claros me acompanhando. Novo incêndio ao meu redor. Corri perigo. Fui dele. Não podia ser. Tampouco podia proibi-lo de insistir na pirraça de me ter."

    Vi uma certa garotinha retratada aqui, again!
    E esse texto é antigo?
    Não conheci Paquetá, mas tô adorando esse seu novo e lindo cenário! Sempre peço bis!
    E como vai a mono?
    Beijo, beijo, flor!

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  12. Apesar da demissão do amor, foi uma noite, digamos, proveitosa!
    Bjooooooooooooo!!!!!!!!!!

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  13. Jaya, querida amiga, eu tenho a impressão de que já li esse texto seu. Ele me parece por demais familiar. Mas em fim, como todos os seus textos são lindos mesmo, eu posso estar enganado.

    Adorei o texto, o jogo de sedução, a noite, a dança, a praia, tudo ali, em meio ao sorrisos, a toda a vontade e desejo. Coisa mais linda.

    Tu tens um dom de nos fazer entrar em seu texto, de fazer com que passe um filme em nossas cabeças quando lemos suas palavras. E eu adoro isso, e fico por demais satisfeito quando venho aqui passear nesse cantinho tão agradável

    Um grande abraço,
    Átila Siqueira.

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