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Jaya Magalhães

Sentada numa poltrona confortável, ela desenhava num quadro os fios de memória que me levaram até aquele instante: o instante de estar naquele consultório, pela primeira vez abrindo todas partes de mim diante de uma pessoa que nunca havia encontrado antes. Ela ajeitava os óculos enquanto me oferecia um lenço para conter o transbordamento inevitável das minhas lágrimas e da minha alma machucada. 

Meu diagnóstico veio aos trinta e dois anos. Antes de recebê-lo eu já tinha a certeza, mesmo sem nunca ter sentido a vida com tamanha força e derramamento. Sempre achei que era mais uma fase, que o tempo consertaria, que as horas amansariam, que passaria — e de fato, passa, mas pode ser mais leve enquanto não acontece. Não tem cura. Não faz cerimônias, simplesmente chega. Não pede licença. Todavia, está longe de ser indomável. E foi aos trinta e dois que, vivendo uma vulnerabilidade enfática, resolvi enfrentá-la.

 

Desde criança eu já roía as unhas, não gostava de ser o centro das atenções, não gostava de comemorar meu aniversário e me dava um silêncio muito grande estar em meio a multidões. Diziam ser timidez e eu repetia: sou tímida. Menos com os meus. Pré-adolescente, não mudou nada. Uma vez tivemos que falar na sala de aula, na frente de todo mundo, sobre o livro que havíamos lido. Adoeci. Passei uma noite em claro chorando, faltei aula, até que a professora, fingindo ter esquecido de mim, me pediu, num rompante, para contar minha história. Pode ficar sentada no seu lugar, não precisa vir aqui na frente. As palavras sumiram da minha boca e meus olhos encheram d’água. Meus colegas não entenderam. Minha melhor amiga apresentou seu livro com a maior desenvoltura enquanto eu não parava de sacudir as pernas. É porquê ela é tímida, justificavam. E eu voltava a meu lugar de conforto. A essa altura, já sem unhas e com os cantos dos dedos feridos.

 

Mudei de estado, escola nova, amigos novos, professores novos. A socialização foi imediata. Vieram os seminários, toda sexta-feira. No começo, treinava falando para o espelho, suava frio na hora do sorteio e acabava falando tudo com muita pressa, só para que o pesadelo acabasse logo. Meses depois, eu e uma amiga disputávamos para ver quem seria a primeira a apresentar. Falava tranquila, sentia que estava dentro de uma nova família. Era bonito. Éramos cúmplices. Mas um dia chegou a transição para o ensino médio.

 

Quase todos os meus colegas estavam fazendo cursinho para prestar o vestibulinho da federal que eu nem sequer sabia que existia. Obviamente comecei a ouvir as lendas cheias de referências àquele novo lugar para onde todos estavam ansiosos para ir. Era certo que sairíamos daquela escola, pois o grau máximo era o que estávamos cursando. Eles se movimentavam e eu evitava pensar no assunto até que, em casa, minha mãe, professora, trouxe o assunto. Perguntou se eu queria fazer o curso, respondi que não. Eu não queria antecipar nenhuma das possibilidades de despedida. Saiu o esperado (não por mim) edital, li o livro que estava na lista, li a gramática inteira e fugi da matemática, como sempre. Tratava aquela prova como se fosse nada, enquanto o assunto era cada vez mais foco na sala de aula. Próximo do dia, as coisas mudaram. Na noite anterior? Não dormi. Fiz as questões com o maior cansaço do mundo. O resultado: passei.

 

Aconteceu tudo muito rápido. Lembro que faltei toda a primeira semana por ter viajado e quando voltei ainda estavam todos na rotina de apresentação da escola, metodologias etc. O CEFET era realmente a maior e mais bem organizada escola que já vi, até hoje. Pavilhões separados, quadras cobertas, campo, piscina, laboratórios, auditório, jardim, ônibus para excursões etc. Lembro de caminhar assustada pelos corredores, sem encontrar ninguém que eu conhecesse dentre as quatro turmas de primeiro ano. Nenhum dos meus amigos tinha conseguido. Tive febre nos dias seguintes, chorava, não queria estudar naquele lugar. Um curto estágio depois, foi ficando mais fácil. Ali estava outra família. Estudamos juntos por três anos e tive a oportunidade de conhecer algumas das pessoas mais fantásticas do mundo — algumas delas são até hoje minhas amigas. E minha melhor amiga também foi dali que saiu. A ansiedade com os seminários? Existiram, mas aos poucos tudo se transformou num processo natural. Acabou o terceiro ano.  

 

Vestibular. Escolher onde morar. Escolher o que estudar. Insegurança. Pressão. E enfim, faculdade. Que processo estranho. Lá estava eu, novamente a mais nova, como sempre foi em todas as vezes que entrei numa sala de aula. Ali tive a oportunidade de conviver com pessoas extremamente diferentes. Pessoas com idades próximas, pessoas com a idade dos meus pais, pessoas quase com a idade dos meus avós. Não viramos família. Muita gente era passageira, muita gente era interesseira e muita gente conseguia pisar em cima de outras gentes. Discussões aconteciam ao redor. Briga de egos, o tempo inteiro. Fiz pouquíssimas amizades e celebrei quando tudo teve fim. Não sem antes quase surtar, obviamente, e viver meses de insônia elaborando uma monografia, trocando as horas, dormindo no chão em cima dos livros (literalmente), sendo perfeccionista e na hora de abrir o arquivo da apresentação, o power point havia sido salvo apenas pela metade. Não dava tempo de ir em casa, chovia torrencialmente, ruas estavam alagadas e eu senti que meu mundo acabaria ali. A vontade foi de sentar no chão abraçada a uma garrafa de tequila e chorar. Ocorreu que todo o nervosismo de todos os anos anteriores montou nas minhas costas, apresentei sem norte, falando o mais rápido que podia. No fim, fui aprovada com mérito, o que desencadeou num choro coletivo meu e da banca avaliadora.

 

Formado em Direito, seu diploma só é socialmente validado se você vence a etapa da prova da OAB, mesmo que não queira advogar. Novamente: insônia. Dessa vez com vômitos ocasionais e falta de apetite em tempo integral. Depois de passar na primeira fase, fui pra segunda e reprovei — não consegui terminar a prova a tempo. O que me levou, conforme a regra da época, a refazer a primeira fase. Passei, de novo. Na segunda, obviamente com todas as consequências de sempre, sentei e não consegui ler a prova. Como assim eu não conseguia ler? Levantei, passando mal, e fui para o banheiro. Em seguida fui embora pra casa. Uma sensação de impotência tomando conta do meu corpo inteiro. Chorei por horas seguidas e no dia seguinte acordei decidida a procurar ajuda. Procurei. Novamente: faz a primeira fase, passa e vai pra segunda. Fiz a prova tão calma que parecia outra pessoa. O resultado? Aprovada. Abandonei a ajuda em seguida.

 

Os anos passavam e as datas e acontecimentos significantes — e às vezes nem tão significantes assim — quase não eram vivenciados quando ocorriam, tamanha era a exaustão física e mental, típica de quem vive a antecipação e analisa absolutamente todos os minutos do futuro, como se tivesse o poder de prever o que poderá acontecer, em todas as suas maneiras. Insônia, suar frio, sacudir as pernas, lábios ressecados, respiração irregular, náuseas e enjoos. Falta de apetite ou apetite extremo. Gastrite nervosa. Pensar em sair de casa e desistir com medo de sentir alguma coisa e atrapalhar alguém. Sintomas que vez ou outra me acometiam e eu não entendia direito o motivo. Os diagnósticos apareciam e a solução nunca. Os dias pediam uma versão de mim que havia sido perdida dentro do emaranhado de emoções. Era gigante minha preocupação com o depois e impossível estar presente no agora. 

 

De outro lado, vivia um relacionamento com uma pessoa que piorava minha situação de todas as maneiras possíveis. Emagreci, as olheiras aumentaram, chorava como nunca havia chorado. Às vezes dava pra respirar, então eu era machucada outra vez e meu coração rachado despejava em mim toda essa dor incrivelmente orgânica. Eu tinha que ouvir, todas (todas) as vezes, o quanto era dramática e como gostava de passar os dias procurando motivos para me sentir mal. 

 

Após lidar a vida inteira com episódios que sempre foram amenizados por mim mesma, acumulou-se numa sequência: problemas no relacionamento, TCC da pós, morte de um familiar que era uma parte enorme de mim, Bolsonaro eleito, ataques ao meu irmão etc. etc. Tive a primeira crise real, quase palpável de tão terrível. Defino como as semanas mais pesadas que já vivenciei. Começou nas madrugadas, quase silenciosamente: acordava no meio da noite com calafrios e respiração ofegante. Não conseguia voltar a dormir e passava o dia com a sensação de aperto no peito. Fui ao médico, neurologista, o primeiro onde consegui vaga. Passou um remédio que, além de não ajudar, me deixava com uma ressaca bastante potente. Parei de tomar e fui piorando. Acatando uma sugestão, fiz algumas sessões de acupuntura. Comecei a dormir melhor e a respirar sem sentir o mundo doer tanto assim. Me abraçava um desânimo tão grande, não conseguia enxergar possibilidade em nada, não conseguia sair, não conseguia andar, ficava sentada ou deitada, queimava incensos, tentava meditar. E nada. Tentava comer e não conseguia engolir. Emagreci cinco quilos em sete dias. Saía da cama, deitava no sofá. E nada. 

 

No ápice do transtorno, sozinha em casa, achei que fosse desmaiar. Não conseguiria ir sozinha ao hospital. O então namorado, talvez certo de que era apenas um drama, foi para o trabalho. Eu em casa, sem forças para conseguir sequer ir ao banheiro. Insisti. Liguei diversas vezes até ele me priorizar, mesmo com alguma irritação. No hospital, tomei soro e remédios para enjoo. Fiz exames e voltei pra casa pelo menos hidratada. Chorei. Muito. Um dia inteiro. Sem pausas. Ficava cansada, respirava e voltava a chorar outra vez. Ele me olhava com olhos assustados e mesmo me dizendo que ia ficar tudo bem, eu sabia que ele não sabia se ficaria. O medo era real. Me pedia pra reagir, sem entender que isso era tudo o que eu mais queria. Eu tentava. Era só o que eu queria: ficar bem. Ser eu. Inteira.

 

Diante do caos, foram me socorrer. Fui na acupuntura, fiz uma massagem, fui no psiquiatra. Tive a sorte de encontrar um profissional bastante delicado, atencioso, preocupado com todos os movimentos que aconteceram/aconteciam/aconteceriam. Medicação e recomendações receitadas,  benefícios viriam lá pelo final do mês. Demorou um pouco até conseguirmos regular as dosagens, mas descobri posteriormente ter sido mais rápido do que acontece para a maioria das pessoas. Vim embora. Não poderia ficar lá sozinha e em casa as demais terapias seriam mais fáceis de serem trabalhadas.

 

Voltei a fazer acupuntura regularmente, o que me garantia automaticamente boas horas de sono e relaxamento. Encontrei, no mesmo local, uma psicóloga que já no primeiro encontro acolheu todas as minhas questões, muitas vezes me explicando para mim mesma e me ajudando a enxergar todos os caminhos: os que escolhi, os que foram inevitáveis, os que precisavam ser abandonados e as diversas possibilidades por onde seguir a partir daquele instante. Eu ia crescendo e era bonito sentir. 

 

Obviamente, em meio a tantas análises, as situações dentro daquele relacionamento foram aparecendo. Comentei com ele como estava sendo bom olhar para dentro de mim, me colocar do avesso sem censuras e saber o que poderia ser costurado e o que era melhor rasgar de uma vez. Falei como estava mudando, como estava ficando forte. Como estava me recuperando para mim mesma. Ele interpretou como quis e achou que eu estava caminhando para encerrar aquele namoro. Fechou-se em si mesmo. Me machucou de maneiras inimagináveis, me dizendo palavras que até hoje não entendi, me deixando plantada por dias, sendo tratada como um objeto que estava no lugar errado. Sempre existiu espaço para conversas e sempre existiu um único pedido: honestidade. Principalmente com os sentimentos. Não tem que ser eterno, mas precisa haver a tal da responsabilidade afetiva. Não houve. Doeu diferente e resolvi ir embora. Não sabia mais por onde caminhar ali dentro, conhecia todas as esquinas e nenhuma delas me parecia convidativa. Eu não podia perder o meu foco e nem ousaria arriscar me perder de mim. De novo. Queria alguém que se dispusesse, que me segurasse, que me motivasse e seguisse caminhando e sorrindo a meu lado. Ele não sabia ser essa pessoa. E mais importante: ele não queria ser essa pessoa. 

 

Na terapia, discutimos, em cima de dados, sobre como os homens não sabem lidar com a vida real, especialmente em momentos onde são chamados a adquirir instintos de cuidados. Estudos mostram que uma grande porcentagem pede divórcio ou simplesmente vai embora ao encarar a parceira pós gestação ou vivendo algum transtorno emocional. E assim aconteceu. Oito meses de tratamento e nem todos os anos onde estive ali e segurei todas as suas piores barras (piores até que a minha) foram suficientes para que ele fizesse o mesmo por mim. Chorei dois dias. Doeu três meses. Depois comecei a enxergar o que agora exponho e segui por onde o amor estava: em mim. 

 

Em menos de um ano, as sessões de terapia semanais passaram a ser quinzenais. Parei a acupuntura e comecei a ioga. Fui cercada por presenças que realmente importavam e quando dei por mim, minhas asas tinham novamente crescido e eu já conseguia enxergar novos caminhos em meio a esse tanto de céu. Me vi tão solta como nunca estive, me aproximando do meu propósito e encontrando corações dispostos a me impulsionar nessa onda preciosa de (re)descobertas.

 

Aos trinta e dois, fui diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada – TAG. Demorei uma vida inteira para aceitar, engolindo a clareza dos indícios. Demorei para entender que não conseguiria sozinha e que isso não era de maneira alguma uma coisa ruim. É uma doença e não um sentimento, precisa de cuidado. É paralisante. Se não for tratada, vai se potencializando até o momento onde você não consegue mais ser dono de si. É importante que se procure ajuda especializada e que os passos sejam acompanhados por um profissional que te faça sentir seguro dentro do seu processo. Não precisa ter vergonha, precisa ter amor. Por si mesmo.

 

Estima-se que, atualmente, 3,6% da população mundial sofra com algum transtorno de ansiedade. E segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, o Brasil é o país onde se concentra a maior parte das pessoas ansiosas do mundo. Os motivos são vários, tendo em comum o fato de sermos brasileiros e, por consequência, caminharmos em cima de todas as mazelas existentes em nosso país. Dito isto, tenho a sorte de viver em um ambiente de privilégios e de contar com o apoio de uma família que sempre está. E graças a essa sorte, hoje caminho diferente. Mais eu e menos tudo aquilo que não preciso carregar.

 

Ansiedade não tem cura. Mas aprender a olhar para si mesmo com gentileza, entendendo e aceitando ser você mesmo sua essencial fonte de cuidado, é a principal etapa para iluminar-se atento e potente. A vida vai sempre bater, porque somos sempre mais fortes. Conseguimos, pode seguir. Acredita.

 

Dá sempre tempo.
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Estar na estrada sempre foi uma rotina em minha história. Quando meus pais se separaram, eu era ainda muito menina — tanto que não levo nenhuma herança dos dois juntos. Dentre minhas escassas lembranças da primeira infância estão a de estar indo para/ voltando de alguma cidade, tendo em vista que, após a separação, minha mãe e eu mudamos de município. A memória mais antiga que tenho dessas viagens, é a de estar no fusca de meu pai, bastante enjoada. Cresci viajando e dando trabalho nas estradas por conta da cinetose e ansiedade. Estávamos sempre acompanhados, eu e meu pai, ora da minha avó, ora da minha madrasta: era sempre necessária uma presença para auxiliar minhas inconstâncias. Chegar era um regozijo, mesmo sofrendo um pouco nos trajetos.

Os anos passavam e a distância continuava presente. Meu pai mudou de estado e as viagens ficaram mais longas e exaustivas. Da Bahia para Minas, parávamos para dormir na estrada, eu agora com idade suficiente para tentar me cuidar, acatando dicas para não passar mal, uma vez que a medicação sozinha nunca funcionava. Vá no banco da frente, leve um limão para cheirar, não olhe pelos vidros laterais etc. Apesar do desconforto, ter meu pai naqueles momentos só nossos, inventar brincadeiras para o tempo passar mais rápido, cantar músicas, contar histórias, dar risadas, sentir o carinho e um pouco de preocupação misturados ao maior cuidado do mundo, me fazia ter coragem e ânimo para enfrentar quaisquer percursos longos demais. Tudo aquilo marcava em mim silenciosos sintomas de amor demais.

 

A felicidade em chegar, nos últimos dias já dava espaço à tristeza, pela proximidade da hora de partir. Sempre dei um jeito de camuflar os apetrechos e colocar as roupas no meu quarto ou no guarda-roupas do lugar onde ficava hospedada. Tentava esconder todos os possíveis vestígios de efemeridade, mesmo quando vez ou outra dava de cara com a mala ou a mochila ali, me lembrando que os prazos eram curtos e abrindo pequenas rachaduras em meu coração menino. Coração esse que ainda não sabia o tamanho imenso da distância que se daria em seguida, com meu pai voltando à Bahia depois de anos, e minha mãe, comigo, cruzando o país para uma nova vida em Roraima. 

 

As viagens norte-nordeste passaram a ser de avião, mas ainda tão demoradas quanto as anteriores. Aos dez anos de idade, encarava pela primeira vez, sozinha, doze horas de viagem com conexões e esperas. Os efeitos da cinetose? Pioraram. A diferença estava no fato de que as datas para voar passaram de feriados e férias de meio do ano para apenas o período das festas/férias de final de ano. Chegava de Roraima, passava as comemorações na casa de meu pai, depois pegava estrada para visitar os parentes maternos, divididos em outras duas localidades, e voltava para o pai com o choro engasgando a proximidade do adeus. As despedidas ficavam cada vez mais difíceis. Eu chegava sozinha. Voltava sozinha, mas com a bagagem sentimental transbordando — fui aprendendo a colocar nas minhas malas todos aqueles momentos que não eram fotografados.

 

A vida foi acontecendo e me vi de volta ao encanto da minha baianidade, com parte do coração permanecendo em Boa Vista. Aproveitei o retorno e saí pelo Brasil catando abraços em alguns cantos até então desconhecidos. Reconectada de vez ao tom do meu lugar, como se não bastasse, inventei de sustentar um romance à distância que me levava quinzenalmente à capital, onde acabei me fixando — sempre com a alma acordada em peregrinações. Anos depois, Salvador virou poesia e voltei às minhas raízes. A mala o tempo todo ali, quase ao pé da minha cama, em sua pose de amuleto, aguardando a próxima rota. Entre aeroportos e rodoviárias, sempre multipliquei o que senti enquanto me dividia. Essa mala que já foi travesseiro, cadeira e mesinha de centro. Que já foi extraviada. E que nunca deixou de me preencher, a cada vez que sento no chão para esvaziá-la. Pedaços essenciais do que me compõe, ela que trouxe.

 

A minha mala me carrega. 

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Para vovó Nina, minha mãe e tia Rita.

Na casa de Nina crescemos ao redor da cozinha. É um espaço muito grande, onde cabem dois sofás, uma estante, uma máquina de costura, uma mesa de madeira muito comprida com oito cadeiras, um fogão, uma pia e vários armários. Não bastasse, ainda inventaram de fazer uma extensão, com mais um fogão, uma pia, um fogão à lenha e uma despensa. A família é grande, são seis filhos. Um desses filhos é justamente minha mãe, motivo pelo qual tive o prazer de, junto a meus montes de primos, vivenciar um movimento típico de um acúmulo de amor com todas as suas desconstruções. Nós sorrimos muito, nos abraçamos e nos beijamos mais ainda, temos piadas internas e códigos, fofocamos sem desejarmos mal a quase ninguém, falamos alto, brindamos por qualquer motivo, brigamos por quase nada e aos domingos, aqueles onde conseguimos reunir todo mundo, exaltamos sem precisar de palavras a sorte de sermos fluxos do sangue de dona Nina e seu Maneca.

A cozinha é lugar dos encontros todos. A campainha toca e atravessamos a casa inteira para alcançar aquele canto que tem sempre um cheiro por onde nos guiarmos. Ali eu observava, ainda menina, a mágica sendo feita entre panelas e misturas de aromas. Pelo olfato, aprendi a adivinhar o que estaria na mesa algumas horas depois. Enquanto observava, às vezes recebia tarefas, como buscar um ou dois pedaços de lenha no fundo do quintal, manusear a máquina de moer carne e também a de café, lavar os pratos, lamber as tigelas ou provar os primeiros pedaços de algo que seria servido em seguida. Eu só via vantagem, principalmente quando surgia no caminho algum prato especial e eram tirados de dentro do armário os antigos cadernos de receitas.

 

Com folhas amareladas, letras diferentes, páginas despencando, colagens de revistas e embalagens de leite condensado/ creme de leite, tudo ali se conectava. Sentia como se estivesse diante de um antigo mapa do tesouro. Tesouro esse rico de feitiços palatáveis, símbolo de um poder matriarcal capaz de atravessar gerações e fogões servidos de histórias sempre bem alimentadas. Folheando o caderno até encontrar a receita escolhida, passava os olhos e imaginava o gosto que teriam aquelas junções. Ao cair no título procurado, chegava minha vez de auxiliar, enchendo xícaras, procurando ingredientes, fotografando as mãos que iam em direção ao próximo passo, tatuando de farinha, massa, calda ou molho, aquele papel encharcado de memórias.

 

Penso agora que esses cadernos foram algumas das primeiras coisas que li. Geralmente vó, tia ou mãe pediam para buscá-lo na gaveta. Dependendo da ocasião, estavam juntas as três. Se fosse uma festa, estariam ali outras mulheres parentes e amigas, reunidas na intenção de multiplicar as receitas e acelerar os processos. As vozes misturadas entre risadas e muita conversa preenchiam minhas expectativas enquanto as fornadas iniciais incendiavam a casa com uma fragrância quase sagrada. Quando não era oferecida a pontinha de algo para provar, às vezes fazíamos (eu e meus primos) malabarismos para furtar despercebidamente. Nem sempre funcionava. Pegos em flagrante, fugíamos a base de gritos e ameaças enquanto gargalhávamos sem medo algum, prontos para repetirmos tudo dali a alguns instantes.

 

Com o tempo aprendi eu mesma a cozinhar. As primeiras receitas foram os doces. De tanto observar como se moviam as mãos cozinheiras ao meu redor, aprendi a fazer bolos que eram muito apreciados. Passei a ousar sobremesas, deixei minhas marcas nas anotações que tínhamos em casa. Às vezes voltava na cozinha de Nina, copiava algumas receitas para mim, conversava em pé acompanhando seus passos para entender a real ciência daquele molho de tomate mais delicioso do mundo, como fazer para deixar o arroz soltinho, como alcançar o ponto certo do vatapá. Nunca comi nada seu sem sentir já na primeira garfada que por ela havia sido feito. Hoje em dia, nos meus retornos ali, corto temperos, preparo saladas, volto no tempo quando a fumaça sobe ao redor. De vez em quando gruda em algum lugar o cheiro da cozinha de minha mãe, que nunca foi assim tão diferente. Respiro mais fácil aos domingos por conta de todo o ar que recheou meu estômago ao longo dos anos, deixando louca a anatomia dos órgãos. 

 

Nos tempos atuais, já entendendo a cozinha como um dos jeitos mais bonitos de fazer poesia, consigo reprisar em minhas panelas os temperos das panelas de dona Nina, minha avó. Toda vez que meu fogão trabalha, me aqueço ao senti-las — ela, minha mãe e minha tia. As mulheres em quem tanto me espelho. Que me alimentam. Que me prepararam. Por causa delas, hoje sinto que amor é também comida. Coração vazio não voa, prova só um pouquinho.

 

Vê aqui se tá bom assim.

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Nunca escrevi como profissão. Nunca tive prazos para publicar textos como parte do meu cotidiano. Escrever sempre foi um respiro e me acontece, continuadamente, num processo muito natural. Não tenho pautas a serem cumpridas. O tema corre para as pontas dos dedos a depender do que meu peito sente naquele momento. Às vezes sento para começar a compor algo que tenho inteiro pronto na mente, mas durante a redação desenvolve-se delicadamente mutável. Às vezes me proponho uma rotina e consigo aplicá-la torcendo palavras com muito esforço, uma vez que aprendi a não depender da inspiração. Começar um texto é quase como tentar acertar o buraquinho da agulha: quando a primeira frase consegue atravessar, dando o tom dos passos seguintes, o bordado de palavras dança. É como segurar nas mãos da coragem para atravessar uma ponte muito alta: concentra-se no caminhar. Transposta, basta sentar e apreciar o encontro. Escrever é travessia. 

Também às vezes, escrevo o que me pesa. Outras vezes, o que me acende. E apesar de me colocar em cada letra que pinto, mais de noventa por cento do que escorre é fictício. Porque escrever é principalmente trilhar novos caminhos a cada parágrafo, ainda que todo eles acabem tendo como bússola o mesmo coração. 

 

Há alguns anos a distração da escrita ficou um pouco mais séria. Acabei dentro de um livro, preenchido inteiro com palavras minhas, evento que nunca sonhei ou imaginei ser capaz de, mas que quando dei por mim, já estava sendo. Foi um susto que aos poucos começou a me assombrar. Com o exemplar em mãos, não conseguia reler. Passei a duvidar das minhas análises que atingiam níveis agora ilógicos de perfeccionismo, de modo que os dias passavam e a tela em branco do computador era evitada. Durante longos anos, produzi um texto para cada. Inventava desculpas para não tocar nesse inevitável embate comigo mesma. Acontece que, quando a escrita nasce na gente — pode até haver alguma briga—, a reconciliação é inevitável.

 

Voltei a escrever. E nos últimos meses, sem preocupações ou rituais. Solto as palavras para, em seguida, num exercício passionalmente artesanal,  lapidar parágrafos, aparar arestas, embalar tudo com essa preciosidade de quem se vê entregando parte do que se é. Com muito barulho ao redor ou no mais profundo silêncio. A necessidade de esvaziar-se é poderosa — ao mesmo tempo preencho-me de mim mesma. Nada mais corajoso que escrever (-se).

 

A palavra sempre me terapeuta.

 

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Chegar em frente às grades do muro baixo e não enxergar teu vulto através da porta de vidro, sentado no sofá branco, para em seguida levantar-se e abri-la com alguma frase engraçada pendurada nos lábios, me pedindo a bença enquanto me abençoava com o olhar embaçado de carinho. Entrar e sentir teu cheiro. Olhar para o quintal e quase tocar no eco dos teu passos. Encontrar teu relógio em cima da cadeira, sentar no sofá da sala de televisão e não te ver na outra ponta, sacudindo as pernas, uma em cima da outra. Sentar na tua poltrona, me deixar escorregar, achar um papel que você dobrou e enfiou no cantinho, olhar para a cozinha e não te ver sentado à mesa me oferecendo a mesma fruta que você comia. Respirar fundo encarando aquela foto minha e tua, conseguir te ouvir mais uma vez, falando muito claramente: e a boniteza daqueles dois ali? Ir embora por não suportar o barulho ensurdecedor do silêncio que sua ausência faz. Chorar.

Acordar e chorar. Fazer tudo sentindo você. Deitar, adiar o sono e chorar até adormecer. Atender aos telefonemas e contar da tua partida. Chorar em todos. Passar uma manhã na gráfica encarando tua fotografia e ensinando a moça a deixar aquele pedaço de papel tão leve quanto sempre senti tua alma. Escrever algum trecho bonito, porque vó pediu. Escolher um trecho da Bíblia, porque vó pediu. Tentar fazer por ela tudo o que ninguém poderia, só você. Receber abraços e chorar em todos. Ver o rosto de vó desmontando aos poucos numa expressão que eu não sabia que ele era capaz de ter. Não me olhar no espelho por semanas. Emagrecer. Esquecer como sorrir de verdade.

 

Ir embora. Dormir de exaustão e encontrar você no sonho. O primeiro após aquela semana onde vivi suspensa. Nós dois no hospital, como foi durante absolutamente todos os dias naquela última semana. Nós dois, eu me despedindo, mas você se levantando com algum esforço e me dizendo: vem cá dar um abraço no véi antes de ir. Despertar chorando pelo excesso de presença e pelo transtorno ao cair na realidade, junto à certeza de que essa mesma presença nunca mais vai existir. Não aqui. Não nessa matéria. Rezar, misturando crenças e ao mesmo tempo sem crença alguma. Reviver todos os dias o nosso último dia juntos, quando penteei os teus cabelos e você, preocupado, já não disse: tem que arrumar os cachos. Mas eu disse. E você sorriu. Me despedi dizendo que o amanhã seria melhor e pensando em comprar uma mini árvore de Natal para enfeitar aquele quarto branco. Não teve amanhã, você foi embora de madrugada, após passar os últimos instantes fazendo declarações de amor e contando sobre nós todos. Lúcido. Amando. O amor não morre e você em mim só cresce.

 

Conversar com você em voz alta pelo apartamento, sozinha, acreditando que você escuta. Lembrar da minha meninice ao teu lado. Lembrar da gente dançando valsa na minha formatura da quarta série. Lembrar de você poucos dias antes falando para os meus tios que eu era o seu xodó. Lembrar das minhas fotos de infância que você guardava dentro da Bíblia. Lembrar que toda vez que entrava no táxi a sua primeira pergunta ao motorista era: quantos anos você me dá? E ninguém dizia que você tinha noventa. E você ficava envaidecido. Era a pessoa mais feliz do mundo por tê-los, mesmo ficando assustado ao entender que a despedida de tudo estava cada vez mais junto. Se eu fosse um dia pintar uma tela expondo tanta vantagem em estar acordado e gastando a vida, seria uma pintura tua.

 

Voltar em casa por semanas, ir na sua casa, dormir com vó, caminhar para o quarto e sentir o coração doer forte por não ter a companhia da tua voz me dizendo: já vai? Então tá. Sonha mais eu. Passar a noite em claro, sentindo tudo pesar. Ir ao cemitério pela primeira vez depois de você. Lembrar que as últimas vezes em que pisei num cemitério estava com você, várias rosas vermelhas nas mãos, distribuindo nos túmulos dos seus pais e irmão. Rezar, conversar com você ali, debaixo da sombra daquela mangueira. Sentir que você não está ali. Sentir que você está em mim. Dias depois, no meio de um café da tarde, olhar a cadeira em minha frente e ter uma crise de choro. Levantar e esconder o rosto pra vó não me ver assim. Sorrir. Doer. Ligar pra vó, já longe de novo, e travar a voz que já ia saltando para perguntar sobre você. Porque não tem mais você.

 

Lembrar. Doer. Chorar. Sorrir. Estar com meus irmãos e vó na cozinha, nas últimas semanas, e contar uma, duas, três histórias tuas. Sorrir. Feliz. Chorar de sorrir. Chorar e sorrir. Lembrar que foi rápido, que você não sofreu além. Lembrar que um dia existiu o melhor avô de todos os universos e entre tantas pessoas possíveis, fui eu a escolhida para vir como sua neta. Agradecer. E depois agradecer de novo. Lembrar do nosso apego. Do nosso carinho. Das nossas fotografias. Do seu suco. Da rapadura. De você escolhendo uma fruta na feira enquanto falava com todo mundo, tão querido que sempre será. De você voltando para casa com uma sacola de pão todo fim de tarde. Do jeito muito sério. Do jeito muito menino. Dos teus assobios. Da mania de falar uma bobagem e dar risada batendo as mãos nas pernas enquanto jogava a cabeça para trás. Do tom a mais que montava na sua voz ao me apresentar como sua neta. Do carinho que é derramado em mim pelas pessoas que, ainda hoje, descobrem que sou neta de seu Arthur. Da sua felicidade cantando o bingo na sua festa de noventa anos. De te elogiar quando você cortava o cabelo e de você gostar que eu percebesse isso me perguntando se estava parecendo cerôto (ser outro). Das suas histórias sempre recheadas do tanto de ontem acumulado. De ser você a pessoa com mais ontens e tempos que eu já conheci até então. 

 

Lembrar que não esqueço nunca de te amar, vô. Um amor assim, que só está. Que não sabe para onde ir, porque nunca quis deixar de encontrá-lo. Acostumou. Um amor que é seu, desde quando eu fazia maria-chiquinha nos teus cabelos, muito menina, até nos últimos tempos, onde te levava nas tuas consultas médicas e me via sempre a mesma criança encantada pelo moço de cabelos de algodão. Meu vô Tuzim. Vovô Arthur. Vô. Seu Arthur, meu.

 

Você foi a primeira pessoa que vi partir daqui. O lugar mais bonito onde já senti. E só hoje, há um mês de completar três anos desde aquela data, consigo colocar em palavras todos esses sintomas de amor eterno. Existe. Somos prova. Só duvida quem ainda não chegou.

 

Bença, vô.

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A primeira lembrança que salta quando procuro explicar a palavra em mim, é a de estar cercada de livros, canetas, lápis, revistas, papéis e um aparelho de telefone antigo ao lado. Tudo isso na casa de vó. Não recordo a idade, mas lembro que ainda não escrevia: rabiscava folhas e mais folhas, simulando letras e preenchendo páginas em branco. Casualmente, atendia ao telefone sem linha, como se fosse uma pessoa muito ocupada, porém sem jamais desviar a atenção dos meus papéis. Esse processo às vezes durava horas — e assim eu era feliz, brincando de redigir. 

 

Me alfabetizei aos quatro anos, já então sabendo ler e escrever. Minha relação com a literatura se dava desde muito antes, mas quando fui capaz de decifrá-la, passei a entender os livros como pedaços muito mais preciosos. Era o mais novo e mais fácil jeito de passear sem precisar me levantar do sofá. Sempre encontrei em casa uma fonte de estímulo para aprender — vó, pai, mãe, todos professores. Sempre existiram prateleiras de exemplares diversos ao meu redor. Quando finalmente me vi senhora das minhas palavras, comecei a sonhar também com a minha estante, montada com as minhas escolhas. Todos os livros ganhados era guardados numa grande pasta vermelha, naquela parte da estante que poderia ser trancada com uma chave. Era meu tesouro. Meu cuidado. Se me demoro nas recordações, consigo sentir o cheiro da madeira daquele espaço reservado para depositar meus companheiros de jornadas.

 

Novamente na casa de vó, depois de muito insistir para usar sua máquina de escrever, fui atendida — agora eu já sabia o que fazer. Queria organizar tudo sozinha: rolar a página, padronizar a fita, sentir o aroma das misturas. Passei os primeiros minutos admirando as letras nos ganchos de ferro, assimilando o movimento de apertar o dedo na tecla para ver o salto até o papel. Pedi um livro para que pudesse copiar frases e alimentar a lauda. Achei complicado digitar, acabei desistindo em algum momento. Não conseguia exibir aqueles barulhos bonitos que ouvia quando alguém batia um texto inteiro. No computador era muito mais fácil, aprendi a usar os demais dedos além dos indicadores, praticando em trabalhos escolares e aplicativos de mensagens instantâneas. Todavia, ainda hoje sonho ter uma máquina de escrever.

 

Pouco depois da alfabetização, paralelamente à leitura, comecei a ser presenteada com diários. Logo dei a eles todos bastante utilidade. Todo final de ano, o primeiro item da minha lista de presentes era um diário/agenda. Assim narrei todas as minhas histórias até completar os catorze anos. A vontade de escrever ainda pulsava enquanto recebia elogios pelos textos produzidos nas aulas de redação e nas felicitações para os amigos. Descobri na Internet os blogues. Fiz o primeiro, não era divulgado, sentia como apenas uma extensão do antigo diário, acrescido de análises críticas dentro do cotidiano adolescente. Numa nova plataforma, agora aberta ao público e com novas vivências e descobertas literárias, sem nem perceber, estava escrevendo crônicas e recebendo comentários dentro de um estilo que chamavam de prosa poética. Todas as influências absorvidas iam moldando aquelas letras até que, numa publicação em outro espaço literário, alguém disse ter identificado ser meu aquele texto, já no primeiro parágrafo. Foi quando tive a sensação ilusória de ter descoberto minha própria identidade. Nunca mais parei — de escrever e de tentar descobrir.

 

Para muito além de preencher páginas em branco, escrever sempre foi um processo terapêutico. Não consigo me distanciar das letras, me coloco teimosamente em todas as pontuações. Para uma pessoa que cresceu vivenciando uma infância e adolescência bastante introvertidas, a escrita adquiriu o status de poderosa forma de comunicação. Muitos assuntos difíceis e inevitáveis de épocas importantes foram tratados por e-mails. Dos amigos de infância, guardo ainda hoje as cartas trocadas. Prefiro mandar uma mensagem escrita a atender uma ligação telefônica. Li uma vez uma entrevista de Gabriel García Márquez, a quem carinhosamente chamo de Gabo, e ele dizia: “sou escritor por causa da timidez. Minha verdadeira vocação é ser mágico, mas fico tão encabulado tentando fazer os truques que tive de me refugiar na solidão da literatura. De qualquer maneira, as duas atividades me conduziram à única coisa que me interessa desde que eu era criança: que meus amigos pudessem me amar mais.” Senti como se houvesse aberto meu coração e fotografado. Caminho por esse mesmo lugar de amor, sem nenhuma pressa, de modo que, distraída, um dia publiquei um livro. Para presentear os meus. Para poder estar, materializada, nos dias onde não posso entregar meus braços. Escrevi para abraçá-los.

 

Escrevo pela poesia e também por não saber desenhar. Porque escrevendo viro eu mesma aquarela. Escrevo para chegar, ainda que na grande maioria das vezes não saiba sequer para onde estou indo. Escrevo, sim, para que meus amigos possam me amar mais. Para ver nas palavras espelhos de mim. Para ser nas palavras o oposto de mim. Para ser. Escrevo, porque sou.

 

Escrevendo sou possível. Aconteço.

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Jaya Magalhães

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